terça-feira, 28 de junho de 2011

É das crianças o reino dos céus?

[Por Luiz Sayão]

Nos últimos meses, a sociedade tem estado abalada pelo destaque dado pela mídia aos crimes contra crianças. Num ambiente eticamente caótico, onde o aborto é aclamado como direito, multiplicam-se notícias de mães que jogam recém-nascidos no lago, no lixo etc. (matando-os fora do ventre). Crimes como os perpetrados contra o menino João Hélio e contra a menina Isabella Nardoni, acrescidos da monstruosidade do austríaco Josep Fritzl, que estuprou a própria filha por anos e com quem teve sete filhos, tem causado um mal-estar insuportável em grande parte da população. Infelizmente, a verdade é que nossa sociedade começa a colher os frutos de seu afastamento de Deus. A verdade é que a rejeição a Deus produz egoísmo, idolatria, imoralidade sexual e violência (Gn 6; Rm 1). As crianças, muito mais frágeis, são as principais vítimas dessa sociedade cruel e perversa: aborto, maus tratos e pedofilia fazem parte do cotidiano.
Em meio a tanta barbaridade, a morte e o sofrimento de crianças como essas levam muita gente a procurar entender a situação das crianças perante Deus. Afinal, o que acontece com uma criança depois da morte? As crianças são de fato inocentes, como sugere a crença popular? E até que idade esta inocência persiste? Afinal, não foi o próprio Jesus que disse que “delas é o Reino dos céus”? Como entender esta questão tão complexa?
Em primeiro lugar, é necessário destacar que as crianças são pecadoras desde o nascimento, conforme o Salmo 51.5. Ninguém nasce inocente. Todos nós somos pecadores por natureza. Portanto, a crença de que as crianças são “anjinhos” não tem fundamento nas Escrituras. Todavia, as crianças são evidentemente “inocentes” no sentido de que não fazem tanta maldade premeditada e trabalhada, como fazem os adultos. Em geral, as crianças são mais transparentes, sinceras e capazes de perdoar do que a vasta maioria dos adultos. Essa candura infantil parece estar refletida em alguns textos bíblicos:
“E disse: Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus. Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus” (Mt 18.3,4).
“E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles. Pegando-a nos braços, disse-lhes: Quem recebe uma destas crianças em meu nome, está me recebendo; e quem me recebe, não está apenas me recebendo, mas também àquele que me enviou” (Mc 9.36,37).
“Mas quando os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei viram as coisas maravilhosas que Jesus fazia e as crianças gritando no templo: Hosana ao Filho de Davi, ficaram indignados, e lhe perguntaram: Não estás ouvindo o que estas crianças estão dizendo? Respondeu Jesus: Sim, vocês nunca leram: Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor?” (Mt 21.15,16 – citação do Sl 8.2).
Esses textos refletem a idéia de que o próprio Jesus se identifica com as crianças e que, além disso, a criança é o padrão de espiritualidade desejado por Jesus. A criança possui humildade e sabe apresentar o louvor perfeito. Aqui há um contraste com a mentalidade religiosa dominante da época, quando o padrão de espiritualidade era o homem ancião.
Apesar disso, essa pureza infantil e essa sinceridade extraordinária dos pequenos não são suficientes para protegê-los espiritualmente. Em Marcos 9.21,22, lemos que um menino era possesso de um espírito mau desde a infância:
“Jesus perguntou ao pai do menino: Há quanto tempo ele está assim? Desde a infância, respondeu ele. Muitas vezes esse espírito o tem lançado no fogo e na água para matá-lo. Mas, se podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos.”
As Escrituras fazem distinção entre crianças que estão debaixo de proteção divina por serem filhos de gente que está em aliança com Deus (1 Co 7.14). Portanto, parece razoável concluir que há crianças sob a influência do mal e crianças sob a bênção protetora de Deus. É muito provável que a idéia de “anjos da guarda”, mencionada em Mateus, refira-se a estas crianças, chamadas de santas em 1 Coríntios 7.14:
“Cuidado para não desprezarem um só destes pequeninos! Pois eu lhes digo que os anjos deles nos céus estão sempre vendo a face de meu Pai celeste” (Mt 18.10).
Assim, vemos que as crianças podem ser abençoadas e especialmente protegidas por Deus, mas há também aquelas que estão afastadas de Deus e que não estão sob a mesma proteção espiritual. Se este é o caso, como então entender que Jesus afirmou que o Reino dos céus é das crianças? Como pode ser isso? A resposta para esta pergunta está na tradução equivocada do texto grego em Mateus 19.14. A verdade é que a tradução comum do texto em diversas versões antigas que afirma que “o Reino dos céus é das crianças” está errada. O grego toiouton não se refere às crianças e deve ser traduzido conforme, por exemplo, a NVI, e é compatível com Mateus 18.3,4:
“Então disse Jesus: Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas.”
Portanto, devemos concluir que as crianças não herdam o Reino dos céus automaticamente só por serem crianças. Isso significa que nem todas as crianças são salvas, ao contrário da crença popular. Se fosse verdade que todas as crianças são salvas, seria necessário impedir que elas se tornassem adultas. A consciência adquirida na fase adulta seria a maior maldição da vida. Será que poderíamos considerar Herodes, o assassino dos bebês, como um evangelista? Teria ele enchido o céu?
É muito mais provável que haja crianças salvas e crianças perdidas. A verdade é que nenhum texto bíblico fala aberta e claramente sobre o assunto. Todavia, não é possível sustentar a salvação garantida a todas as crianças. É possível que as crianças, filhas de cristãos, sejam salvas, mas isso não pode ser provado. A outra possibilidade é que isso seja decidido a partir da decisão soberana de Deus. Isso não é impossível. Todavia, é preciso reiterar o fato de que a convicção de que todas as crianças são automaticamente salvas fundamenta-se numa tradução equivocada da Bíblia.

[Revista Enfoque-Edição 83 - JUN / 2008]

Teodicéia

[Por Ed René Kivitz-blog]

Acho que Epicuro foi quem formulou a questão a respeito da relação entre a onipotência e a bondade de Deus. A coisa é mais ou menos assim: se Deus existe, ele é todo poderoso e é bom, pois não fosse todo-poderoso, não seria Deus, e não fosse bom, não seria digno de ser Deus. Mas se Deus é todo-poderoso e bom, então como explicar tanto sofrimento no mundo? Caso Deus seja todo-poderoso, então ele pode evitar o sofrimento, e se não o faz, é porque não é bom, e nesse caso, não é digno de ser Deus. Mas caso seja bom e queira evitar o sofrimento, e não o faz porque não consegue, então ele não é todo-poderoso, e nesse caso, também não é Deus. Escrevendo sobre a Tsunami que abalou a Ásia, o Frei Leonardo Boff resume: “Se Deus é onipotente, pode tudo. Se pode tudo porque não evitou o maremoto? Se não o evitou, é sinal de que ou não é onipotente ou não é bom”.
  Considerando, portanto, que não é possível que Deus seja ao mesmo tempo bom e todo-poderoso, a lógica é que Deus é uma impossibilidade filosófica, ou se preferir, a idéia de Deus não faz sentido, e o melhor que temos a fazer é admitir que Deus não existe.
  Parece que estamos diante de um dilema insolúvel. Mas Einstein nos deu uma dica preciosa. Disse que quando chegamos a um “problema insolúvel”, devemos mudar o paradigma de pensamento que o criou. O paradigma de pensamento que considera o binômio “onipotência/bondade” como ponto de partida para pensar o caráter de Deus nos deixa em apuros. Existiria, entretanto, outro paradigma de pensamento? Será que as palavras “onipotência” e “bondade” são as que melhor resumem o dilema de Deus diante do mal e do sofrimento do inocente? Há outras palavras que podem ser colocadas neste quebra-cabeça?
  Este problema foi enfrentado por São Paulo, apóstolo, em seu debate com os filósofos gregos de seu tempo. A mensagem cristã era muito simples: Deus veio ao mundo e morreu crucificado. Pior do que isso: Deus foi crucificado num “jogo de empurra” entre judeus e romanos, isto é, diferentemente dos outros deuses, o Deus cristão foi morto não por deuses mais poderosos, mas por homens. Sendo Deus, jamais poderia ser morto por mãos humanas, e sendo o Deus onipotente, jamais poderia nem mesmo ser morto. Paulo, apóstolo, estava, portanto, diante de um dilema semelhante ao proposto por Epicuro: Deus era uma impossibilidade filosófica.
  Foi então que os apóstolos surgiram com uma resposta tão genial que os cristãos acreditamos que foi soprada pelo Espírito Santo: antes de vir ao mundo ao encontro dos homens, Deus se esvaziou da sua onipotência, isto é, abriu mão do exercício de sua onipotência, e por amor, deixou-se matar por eles. (Eu disse que “Deus abriu mão do exercício de sua onipotência”, bem diferente de “Deus abriu mão de sua onipotência”).
  O apóstolo Paulo admitia que não era possível pensar em Deus sem considerar o binômio bondade/onipotência. Optou pela palavra amor, assim como o apóstolo João, que afirmou “Deus é amor”. Jesus de Nazaré foi Deus encarnado na forma de Amor, e não Deus encarnado na forma de Onipotência. Os cristão não dizemos “Deus é poder”, dizemos “Deus é amor”.
  Isso faz todo o sentido. Um Deus que viesse ao encontro das pessoas em trajes onipotentes chegaria para se impor e reivindicar obediência irrestrita, impressionando pela sua majestade e força sem iguais. Jung Mo Sung adverte que “a contrapartida do poder é a obediência, enquanto a contrapartida do amor é a liberdade”. Também assim pensou o apóstolo Paulo, ao afirmar que o que constrange as pessoas a viver para Deus é o amor de Deus (demonstrado na morte de Jesus na cruz). Não é o poder de Deus que cativa o coração das gentes, mas sim o amor de Deus.
  Na verdade, “Deus não tinha escolha”. Ao decidir criar o ser humano à sua imagem e semelhança, deveria criá-lo livre. Desejando um relacionamento com o ser humano, deveria dar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamente ao seu amor, sob pena de ser um tirano que arrasta para sua alcova uma donzela contrariada. Somente o amor resolveria esta equação, pois somente o amor possibilita a liberdade para que o outro possa inclusive rejeitar o amor que se lhe quer dar.
  André Comte-Sponville é um ateu confesso (sei que vou levar pedradas) que discorre a respeito do amor divino como poucos que já li. Acredita que o amor divino é um ato de diminuição, uma fraqueza, uma renúncia. Usa os argumentos de Simone Weil: “a criação é da parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de renúncia. Deus e todas as criaturas é menos do que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou de si uma parte do ser. Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. É por isso que João diz que o Cordeiro foi degolado já na constituição do mundo.                            Deus permitiu que existissem coisas diferentes Dele e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo, como Cristo nos prescreveu nos negarmos a nós mesmos. Deus negou-se em nosso favor para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele. As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência aparente e sua presença secreta aqui embaixo, essas religiões são a verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande Revelação. As religiões que representam a divindade como comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo são falsas. Mesmo que monoteístas, são idólatras”.
  Você já imagina onde quero chegar. Isso mesmo, entre a onipotência e a bondade de Deus existe a liberdade do homem, e o compromisso de Deus em respeitar esta liberdade. Isso ajuda a entender porque existe tanto sofrimento no mundo. O mal não procede de Deus e não é promovido ou determinado por Deus. O mal é conseqüência inevitável da liberdade humana, que teima em dar as costas para Deus e tentar fazer o mundo acontecer à sua própria maneira. Diante do mal e do sofrimento, o Deus com os homens, encarnado em Amor, também sofre, se compadece, tem suas entranhas movidas de compaixão. E morre. O Deus Amor encarnado em Jesus de Nazaré é assim, entre matar e morrer, prefere morrer.
  Mas você poderia perguntar por que razão Deus não acaba com o mal. Isso é simples: Deus não acaba com o mal porque o mal não existe, o que existe é o malvado. O mal não é uma entidade ao lado de Deus. O mal é o resultado de uma ação humana em afastar-se do Deus, sumo bem. O monoteísmo cristão afirma que há um só Deus, e que o mal é a privação da presença de Deus. Os cristãos não somos dualistas que postulamos a existência do bem e do mal. O mal é apenas a ausência do bem. Por isso, o mal não existe, o que existe é o malvado, aquele que faz surgir o mal porque se afasta de Deus, o supremo e único bem.
  Ariovaldo Ramos me ensinou assim, e completou dizendo que “para acabar com o mal, Deus teria que acabar com o malvado”. Mas, sendo amor, entre acabar com o malvado e redimir o malvado, Deus escolheu sofrer enquanto redime, para não negar a si mesmo destruindo o objeto do seu amor. Por esta razão Deus “se diminui”, esvazia-se de sua onipotência, abre mão de se relacionar em termos de onipotência-obediência, e se relaciona com a humanidade com base no amor, fazendo nascer o sol sobre justos e injustos, e mostrando sua bondade, dando chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo sustento com fartura e um coração cheio de alegria a todos os homens[.
  A equação amor e liberdade na relação entre Deus e o homem resulta um escândalo: um Deus que sofre por amor. E quando Deus sofre, o homem sofre. Ou, na verdade, Deus sofre porque o homem sofre, isto é, Deus sofre porque ama o homem que sofre.

G. K. Chesterton

Adaptação de prefácio (Philip Yancey) e resenha (Eliel Vieira) de Ortodoxia

Gilbert Keith Chesterton, conhecido como G. K. Chesterton, (Londres, 29 de maio de 1874 – Beaconsfield, 14 de junho de 1936) foi um escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo, teólogo, filósofo, desenhista e conferencista britânico. Na obra Ortodoxia, expõe a sua fé em Deus e inicia um debate em oposição à descrença ateísta. A capacidade de Chesterton de escrever coisas sérias na forma de piadas sem deixar a seriedade da questão de lado é impressionante. Fazendo uso do paradoxo, deixa-nos boquiabertos com suas ideias. Chesterton influenciou não poucos brilhantes do último século. Ghandi e Luther King o liam avidamente; C. S. Lewis o considerava seu pai espiritual.
            Chesterton enxergava o mundo como uma espécie de naufrágio cósmico. Na busca por significado, somos como um marinheiro que acorda de um sono profundo e descobre peças e relíquias de um tesouro procedente de alguma civilização esquecida. [...] ele apanha as relíquias — moedas de ouro, bússola, roupas finas — e tenta discernir o seu significado. Chesterton afirma que a humanidade vive essa condição. As coisas boas da terra — o mundo natural, a beleza, o amor, a alegria — apresentam traços de seu propósito original, mas cada uma delas pode ser incompreendida ou mal utilizada por causa de nossa natureza decaída e amnésica. Após uma longa odisséia de dúvidas e ceticismo, Chesterton retornou à fé porque entendeu que somente o cristianismo fornecia as pistas para solucionar o mistério sobre essas relíquias.
Em primeiro lugar, intuí que este mundo é incapaz de explicar- se. Segundo, passei a acreditar que o sobrenatural deve ter algum significado, e que isso pressupõe a existência de alguém que lhe empresta sentido. Havia algo de muito pessoal no mundo, como se fosse uma obra de arte. Terceiro, considerei bela a antiga forma desse propósito, apesar de seus defeitos, assim como são belos os dragões. Quarto, concluí que a maneira mais apropriada de expressar gratidão a essa entidade é cultivar humildade e discrição, assim como devemos agradecer a Deus por vinho Burgundy, evitando beber em excesso. Por último, estranhamente me veio à mente uma impressão vaga e vasta de que todo bem é um vestígio que deve ser guardado e consagrado, devido à sua procedência de alguma ruína primordial”(CHESTERTON, 2008, p.8-9 - adaptado).
            Chesterton reconhecia que a igreja não representava bem o evangelho. Dizia que o comportamento lamentável dos cristãos gerava de fato o argumento mais forte contra o cristianismo. Os cristãos são prova cabal daquilo que a Bíblia ensina sobre a Queda. Certa vez o jornal London Times pediu a alguns escritores que respondessem à pergunta: “O que há de errado com o mundo?”. Chesterton enviou a resposta mais sucinta: Prezados Senhores: Eu.
            Em debates com intelectuais da época, o escritor rejeitava a lógica científica para refutação da fé. Com argumentos paradoxais expunha razões que não esclareciam definitivamente questões sociais e existenciais. Em resposta às motivações contra o cristianismo de um editor, Chesterton afirmou: “Se eu oferecesse todas as minhas razões para ser cristão, a grande maioria seria exatamente as razões que o senhor Blatchford daria para não o ser”. O autor rejeita ainda asexplicações excessivamente lógicas e racionais para explicação do mundo, justificando seu argumento da seguinte forma:
A imaginação não gera a insanidade. O que gera a insanidade é exatamente a razão. Os poetas não enlouquecem; mas os jogadores de xadrez sim. Como se verá, não estou aqui, em nenhum sentido, atacando a lógica: só afirmo que esse perigo está na lógica, não na imaginação.
Em todas as partes vemos que os homens não enlouquecem sonhando. Os críticos são muito mais loucos que os poetas. Shakespeare é exatamente Shakespeare; apenas alguns de seus críticos é que descobriram que ele era alguma outra pessoa. O fato geral é simples. A poesia mantém a sanidade porque flutua facilmente num mar infinito; a razão procura atravessar o mar infinito, e assim torná-lo finito. O resultado é a exaustão mental. Aceitar tudo é um exercício, entender tudo é uma tentação. O poeta apenas pede para pôr a cabeça nos céus. O lógico é que procura pôr os céus dentro de sua cabeça. E é a cabeça que se estilhaça. A última coisa que se pode dizer de um lunático é que suas ações são sem causa, pois o louco em geral vê causa demais em tudo. Se você discutir com um louco, é extremamente provável que leve a pior; pois sob muitos aspectos a mente dele se move muito mais rápido por não se atrapalhar com coisas que costumam acompanhar o bom juízo. Ele não é embaraçado pelo senso de humor ou pela caridade, ou pelas tolas certezas da experiência. Ele é muito mais lógico por perder certos afetos da sanidade. De fato, a explicação comum para a insanidade nesse respeito é enganadora. O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão. A explicação oferecida por um louco é sempre exaustiva e muitas vezes, num sentido puramente racional, é satisfatória. Ou, para falar com mais rigor, a explicação insana, se não for conclusiva, é pelo menos incontestável (CHESTERTON, 2008, p. 20-22 – resumo e adaptação).

A visita de Einstein ao Brasil

Urariano Mota
La Insignia. Brasil, março de 2005.




Para usar de uma linguagem mais própria, devemos dizer: como a luz de uma estrela que vem do passado, assim nos atinge a visita de Einstein ao Rio de Janeiro. E com mais propriedade, acrescentar: se os 80 anos-luz que nos separam da estrela Algol fazem dela um lugar muito estranho e diferente da nossa Terra, o mesmo não podemos dizer dos 80 anos que nos separam da boa sociedade do nosso Brasil, quando Einstein nos visitou. Os seus tipos, os seus personagens continuam vivos, com uma sobrevivência além da lógica, arqueológica, deveríamos dizer. Relatam os cronistas que corria o ano de 1925. No princípio, Einstein não viria ao Brasil. Dizem que ele nem mesmo sabia que lugar seria este. "É um país tropical", disseram-lhe. E como o sábio não relacionasse tropical a qualquer coisa conhecida, informaram-no de que era um lugar de selvas, de bananeiras, de clima quente, de macacos e papagaios. Então Einstein se moveu, e, aproveitando sua viagem à Argentina, alcançou o Brasil, porque seria, disseram-lhe, como dobrar uma esquina. "De Buenos Aires ao Rio de Janeiro é como ir de Berlim a Roma". Entendo, respondeu-lhes Einstein, e mesmo sem entender fez essas duas viagens.
Os cronistas nada informam acerca de Einstein haver sido uma das primeiras vítimas dos pacotes turísticos. Alguns, e aqui se irmanam argentinos e brasileiros, afirmam que um turista como ele era um tipo bem difícil de se enquadrar em um pacote. Como levar um homem despenteado a um espetáculo de tango? perguntavam os argentinos. E por essa impossibilidade queriam dizer que o físico não se harmonizava, primeiro, com os cabelos gomados, e depois que o físico não possuía físico para as evoluções de um tango. Em nível menos óbvio, e esta era a verdadeira razão, o que não diziam é que um tipo como Einstein não era um ser que gostasse do que todo homem gosta: de vinho e de carnes nobres, da mesa à cama. Daí a confusão, o caos, um verdadeira indeterminação de Heisenberg em suas mentes, para regalar o cientista com um programa digno da sua dimensão. Daí que, não lhe podendo fazer um roteiro de humanos, fizeram-lhe um roteiro ... científico. Palestras, conferências e perguntas tontas. Anotaria Einstein, ao deixar Buenos Aires, que era impossível ficar sério diante dos questionamentos que lhe eram feitos em suas conferências. Ele mal imaginava as emoções que o aguardavam a seguir. "Que venha o Brasil", o cientista se disse.
Na sua chegada ao porto do Rio de Janeiro só não lhe tocaram Cidade Maravilhosa porque a banda no cais não poderia tocar o que ainda não havia nascido. Mas as fotos mostram o cientista em um mar de curiosos, que lhe acenavam e sorriam. Como se ele fosse um astro de cinema. Se tivesse tempo para refletir, certamente diria o que certa vez se disse Borges, ao ser cumprimentado por muitas pessoas nas ruas de Buenos Aires, "eles acenam para um homem que pensam que sou eu". Mas não havia tempo. Dali, sempre cercado por uma comitiva dos mais doutos cientistas, rumou para o Hotel Glória, onde pousou as surradas malas. Não havia tempo. Havia que visitar a comunidade israelita, ver a cidade, conhecer instituições respeitáveis, visitar o Presidente da República, e dizer a que veio: três conferências, a primeira no Clube de Engenharia, a segunda na Escola Politécnica e a última na Academia Brasileira de Ciências. Com direito a almoços e jantares nos intervalos, em locais diferentes, sempre cercado da mais douta gente, e o mais que aparecesse, e tudo no prazo de uma semana. Não havia tempo. Os organizadores da sua agenda conseguiram o que parecia impossível em 1925: transformar a bela cidade do Rio de Janeiro em uma anticidade.
E cabe aqui, de passagem, uma visão dos responsáveis por seus dias no Brasil, os doutores que o cercavam. Não havia, dentre eles, um só físico ou um só matemático. Os doutores eram médicos, advogados, políticos, militares, embaixadores, e alguns engenheiros. Todos muito bem situados, ricos, a caminho de enriquecer, ou de prestígio no Rio de Janeiro. Eram os doutores clássicos do Brasil: os donos de uma posição social, e que por isso mereciam e merecem o tratamento honroso. Com tal gente, o resultado foi o que se viu.
Na primeira palestra, no Clube de Engenharia, o salão ficou completa e absolutamente lotado. Políticos, graduados oficiais das três forças armadas, altos funcionários, engenheiros, esposas e filhos e filhinhos, todos muito unidos na mais absoluta ignorância do que vinha a ser aquele indivíduo estranho e suas ainda mais estranhas e absurdas idéias. Com a vantagem, que os deixava ainda mais unidos, de não entenderem uma só palavra da língua alemã. Ou até mesmo de outra língua, diga-se, que não fosse o português falado na intimidade de suas casas. O que importava era ver o homem famoso em ação. E Ele era lento, logo se viu, porque em lugar de subir à mesa e de imediato cantar um cocoricó, bater as asas e se jogar pela janela, pôs-se a pervagar com os olhos a assistência, "com os seus olhos muito loucos", como diriam depois. O que diabo eu vim fazer no Rio de Janeiro, perguntava-se o bruxo, enquanto esperavam que nos seus olhos entrasse alguma realidade sã. Como fazer, o que fazer, e como fazer diante daquela assistência, perguntava-se. Então o nobre e paciente cientista fez ver à mesa, em humilde francês, que não poderia falar em alemão, porque essa língua muito iria dificultar a sua compreensão Que fale em qualquer língua, pouco importa, ninguém irá mesmo entendê-lo, vontade teve de lhe responder o anfitrião. Mas preferiu dizer-lhe palavras mais gentis, em francês, porque era um diplomata de carreira:
- O senhor pode falar com a linguagem universal: fale pela língua da matemática.
O cientista sorriu, porque sabia que na matemática ainda não se inventaram os verbos necessários até na Teoria da Relatividade. E passou a expor, em lento e paciente francês, como uma pessoa envelheceria menos depressa em velocidades próximas a 300.000 quilômetros por segundo. Ao que comentou, quando lhe traduziram, a velha senhora mãe do diplomata: "na teoria tudo é muito fácil". O certo é que o cientista conseguiu chegar ao fim, em meio ao calor, entre o suor, o barulho e o choro de crianças, que mais sinceras se manifestavam com gritos e esperneios. Ao terminar, o que todos de imediato compreenderam, porque o cientista ficou de repente mudo e se deixou ficar imóvel a um canto e sentado, toda a assistência se levantou e aplaudiu. Menos entusiasmado, Einstein anotou em seu diário, mais tarde: "Às 4 horas, primeira conferência no Clube de Engenharia numa sala superlotada, com ruído da rua, as janelas abertas. Não tinha nenhuma acústica para que me entendessem. Pouco científico".
No dia seguinte, para ser mais científico, foi à Academia Brasileira de Ciências. Ali foi homenageado em uma sessão que se anunciou como a maior já feita para o maior cientista de todos os tempos. Se alguma dúvida ele possuía que estivesse no Brasil, ali os acadêmicos trataram de tirá-la, porque o fizeram ouvir três longos, vazios e verbosos discursos. Ouviu de certa forma, devemos retificar, porque os discursos vinham em um francês que todos, acadêmicos e cientista, mal falavam. Falaram, falaram e falaram, pela ordem: Juliano Moreira, Vice-Presidente, sobre a influência da Teoria da Relatividade na Biologia, o que é lamentável, não a sua fala, mas a falta de um registro preciso desse discurso, pois teríamos um documento importante do nível mental dos nossos acadêmicos; depois foi a vez de Francisco Lafayette, que foi do movimento browniano, coisa que devia bem conhecer, até a síntese desse movimento na Teoria da Relatividade! As atas não registram, mas podemos imaginar o sorriso, de dor, de Einstein por essa extensão e deferência (dizem que mais dói um elogio que não merecemos); e por fim, usou da palavra o acadêmico Mário Ramos, que entre circunlóquios e peroração instituiu o prêmio Albert Einstein a ser entregue anualmente ao melhor trabalho científico. Então chegou a vez do homenageado, a estrela maior que viera dos espaços de outra galáxia. Pelo andar da carruagem, todos esperavam que o homenageado fizesse um discurso mais alto e vibrante que os precedentes, porque tais sessões sempre atingem um ápice, um paroxismo, e porque também haviam sido formados, os acadêmicos, pela ciência do latino, a grande e inexcedível eloqüência de Cícero. Que por ser um sábio Einstein babasse, cantasse uma ópera, ou mesmo caísse em um ataque fulminante, seria normal, pois que era um gênio. O cientista, no entanto, mais uma vez decepcionou. Em mau francês passou a falar, baixinho, à guisa de agradecimento, sobre a situação da natureza da luz em 1925. Os acadêmicos se entreolhavam, frustrados, mas sorriam a seus pares, todos muito sábios e senhores das equações de Max Planck. Mais uma vez, a platéia composta de políticos, jornalistas e doutores aplaudiu.
Eis que chega então o melhor dia. Na terceira e última palestra, na Escola Politécnica, não houve a invasão do grande público, das senhoras mães com seus filhinhos, dos oficiais com galões e de velhos generais do século dezenove. A julgar pelos jornais, "o Professor Einstein pôde desenvolver a sua palestra sob um ambiente tranqüilo, e dessa maneira os cientistas brasileiros acompanharam-no passo a passo na sua exposição". Nem tanto, e por favor acreditem, porque nada é mais rico que a própria realidade. Um desses grandes nomes da ciência, um desses físicos era o jurista Pontes de Miranda. Sim, um jurista. Pontes de Miranda vinha a ser o autor de uma extensa obra que procurava construir a ciência do direito conforme as idéias positivistas. O nome da obra era digno de figurar em letras de ouro, nas bibliotecas dos doutos cientistas da advocacia: Systema de Sciencia Positiva do Direito. Pois é esse homem que a falar em alemão desafia Einstein, para maior fascínio dos cientistas presentes:
- Data venia, Herr Einstein, a Teoria da Relatividade não considerou as implicações metafísicas das hipóteses que aventa. Das ciências físicas até as ciências jurídicas a diferença, saiba, é de grau. A Física mantém um pacto com o mundo da sociedade também, e é pacto que tira e põe, mas não deixa intacto o que estava. A questão é tanto mais delicada quanto a afirmação de não se poder alegar o erro e a de se exigir a capacidade objetiva e o além da capacidade objetiva, que leva a argumentos a favor de uma e de outra opinião. Falta na Teoria da Relatividade o conhecimento, a informação de que não é só o mundo em si, an sich, de que ela trata. Há de se ver que nas suas conseqüências, falta o desdobramento de um mundo para nós, für uns...
A platéia delirava diante de tal brilho. O cientista sorria e mantinha silêncio. Quando acabou o discurso do jurista, a contestação à Teoria da Relatividade naquele tribunal, o físico se levantou, e como a se despedir, entregou a um dos acadêmicos um papel onde se lia:
"Die Frage, die meinen Kopf entsprang, hat Brasilien sonniger Himmel beantwortet" ("A questão, que minha mente formulou, foi respondida pelo radiante céu do Brasil.")
Era uma referência ao eclipse do Sol, observado em Sobral, no nordeste brasileiro, que em 1919 comprovara a previsão do cientista quanto à deflexão da luz pelo campo gravitacional do Sol. Mas assim não entendeu bem o ilustre jurista, que ao ler aquelas palavras interpretou-as como uma resposta à sua intervenção. Pois não era dia de sol e azul o céu do Rio de Janeiro naquela hora da palestra?
Da sua viagem ao Brasil, sabe-se, por fim, que Einstein levou um papagaio, recebido de presente de um homem do povo. Foi o maior regalo recebido em toda sua vida de um país tropical. Todos os dias o papagaio lhe fazia lembrar, com graça e inteligência, o saber daqueles doutores de posição social. Data venia, Herr Einstein, data venia, Herr Einstein, repetia-lhe o papagaio. Os amigos contam que isto sempre dava um pouco de luz às manhãs frias e escuras do Doktor Einstein.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O cérebro espiritual, de Mario Beauregard [Ricardo de Matos]

"O cérebro, contudo, não é a mente; é um órgão apropriado para ligar a mente ao resto do universo." (Mario Beauregard)

Acompanha a Humanidade, desde sua descida da árvore, a divergência entre imanência e transcendência. Por imanência podemos entender a concepção segundo a qual o ser humano limita-se ao que é no mundo, nada havendo que esperar além. Por transcendência entende-se a concepção de algo que não apenas sobrevive à passagem do Homem pelo mundo, mas também caracteriza-o como tal.

A reflexão descuidada pode apressar-se em criar os binômios imanência-materialismo e transcendência-espiritualismo. Na antiguidade grega pode-se encontrar o exemplo de imanência não materialista, quando acreditava-se que tudo ― material e imaterial ― vinculava-se a este mundo. Assim, tínhamos os deuses ocupando o Monte Olimpo e as almas dos mortos encaminhadas às profundezas do reino de Hades. Devassado o orbe em seu interior e investigado o céu por sondas espaciais que vão cada vez mais longe e transmitem-nos imagens impressionantes, desvaneceu-se a construção helênica ― e posteriormente dantesca ― do lugar fixo e "pronto".

No correr dos séculos formaram-se alianças que por um lado tiveram seu proveito, mas por outro pecaram pelo reducionismo. O imanentismo colocou-se sob a proteção da Ciência e fez do materialismo o seu porta-voz. Já a transcendência foi entregue aos cuidados da Religião, o que em alguns casos significou dar um jarro de cristal para um macaco carregar. Em decorrência, o Homem parece ter perdido a capacidade de enxergar o Universo como expressão do Absoluto.

Além disso, uma sequência de erros profundos primeiro estabeleceu a dicotomia entre natural e sobrenatural, e em seguida elevou este à categoria de transcendental. Ao natural pertence o mundo físico, sujeito a leis fixas e apreensíveis pelo ser humano. Ao sobrenatural, concerne um local onde prevalece a anomia, a arbitrariedade. Embora Allan Kardec tenha observado que as Leis da Natureza são exatamente as mesmas quer no mundo visível, quer no mundo invisível ― isto é, na parcela do mundo imperceptível aos sentidos humanos atuais ― a dicção de Thomas Huxley em seu ensaio O natural e o sobrenatural ganhou a preferência da comunidade científica.
Quem vincula imanentismo, Ciência e materialismo apresenta seus argumentos como si houvesse uma ligação necessária entre essas concepções. Conforme socorre-nos mais uma vez o Dicionário Oxford de Filosofia, organizado por Simon Blackburn, o materialismo é, antes de qualquer coisa, o nome comum de algumas escolas de pensamento. Estas escolas vão desde o atomismo grego de Demócrito e de Leucipo até o materialismo dialético e o histórico, passando por Hobbes e pelos excessos de La Mettrie. Apresentar a Ciência como materialista, portanto, é uma falácia de definição.

À Ciência, portanto, seria vedado investigar fenômenos que o senso comum colocou ao resguardo da Fé? Embora a divulgação seja precária, limitada ou mesmo inexistente, não é o que pensam alguns cientistas e pensadores atuais. Entre eles destacamos Mario Beauregard, neurocientista canadense, professor associado de pesquisa da Universidade de Montreal, indicado como "pioneiro em neurobiologia da experiência mística". Seu livro
O cérebro espiritual ― Uma explicação neurocientífica para a existência da alma (Best Seller, 2010, 448 págs.) foi traduzido para o português e publicado no Brasil sem a mesma repercussão que tiveram Richard Dawkins ou Daniel Dennett.

Beauregard foi um dos palestrantes do I Simpósio Internacional "Explorando as Fronteiras da Relação Mente-Cérebro", ocorrido na cidade de São Paulo, entre os dias 24 e 26 de setembro deste ano. Si há uma corrente científica preponderante e favorável ao materialismo dos estados centrais, isto é, defensora de que os acontecimentos mentais teriam origem exclusivamente no cérebro e no sistema nervoso central, a contracorrente ganha forças diariamente. Importante salientar que a reação não se dá com argumentos de ordem filosófica ou religiosa, mas dentro exclusivamente do campo científico.

O fundamento filosófico do Simpósio foi o dualismo cartesiano, que distingue entre cérebro material e mente imaterial, esta atuando sobre aquele. Aos que cultivam o gosto pelo encadeamento histórico do pensamento humano, citamos o valioso livro Deus na natureza, do astrônomo francês Camille Flammarion, cuja epígrafe é justamente mens agitat molem ― a mente agita a matéria. Astrônomo por formação, Flammarion enveredou-se pelo aprofundamento da abordagem científica do espírito, situando-o na Natureza.

O cérebro espiritual tem a coautoria da jornalista canadense Denyse O'Leary, versada em questões de fé e ciência, que conferiu ao livro científico a fluência e o interesse de uma reportagem. Tais qualidades foram mantidas por Alda Porto e Fernanda Campos, tradutora e revisora técnica, respectivamente. O leigo pode acompanhá-lo com facilidade e o especialista encontrará nos diversos quadros intratextuais os fundamentos neurobiológicos e anatômicos de Beauregard.
Beauregard realiza experiências em torno das "experiências místicas e/ou espirituais religiosas" (EMER). Inicialmente não as distingue, mas depois o faz de forma sucinta. Experiências religiosas são as que surgem "no segmento de uma tradição religiosa". Vivencia uma experiência espiritual quem acredita ter contatado com o divino, com algo além ou acima de si, o que não inclui todo e qualquer calafrio metafísico. Já no misticismo encontra-se a tentativa de alcançar realidades cósmicas através de estados alterados de consciência como a prece e a meditação profunda, com exclusão de drogas e qualquer substância que possa ser usada com fins alucinógenos.

O livro, portanto, não tem a pretensão de provar a existência de Deus, mas sim que pessoas místicas entraram em contato com forças externas a si mesmas, forças que não seriam percebidas caso a mente fosse um produto cerebral. Beauregard iniciou suas pesquisas almejando investigar a atividade dos neurônios durante a EMER. Quando ele afirma querer descobrir quais poderiam ser os correlatos neurais da experiência, ele demonstra trabalhar com possibilidades, com hipóteses, que são o ponto de partida e a base de trabalho da Ciência. O cientista trabalha com hipóteses, e suas pesquisas e experimentos podem levá-lo a confirmá-las ou negá-las. Difere de fazer uma afirmação e dedicar-se a provar sua certeza.

A abordagem espiritualista exclui o dever de estudar o cérebro? Não, e este ponto é especialmente lembrado pelo neurocientista. Mesmo as explicações materialistas para a religião e a espiritualidade não devem ser a priori desprezadas, como são revistas diante das novas descobertas. O bom pianista conhece os gênios e gêneros musicais, suas obras, o teclado, o dedilhado, a madeira da estrutura e o material das cordas internas do piano, a afinação e os melhores centros de fabricação. A abordagem espiritualista, por assim dizer, fornece respostas muito mais completas e explicações não forçadas.

Dizer que determinada região do cérebro é ativada durante uma EMER é algo substancialmente diverso de dizer que a mesma região é a responsável exclusiva do fenômeno. Realmente, depois de ter um cérebro humano entre as mãos, fica difícil aceitar que somente aquele amontoado orgânico é o único autor da Bíblia, do Corão, do Taj Mahal, da Capela Sistina e da Nona Sinfonia (de Beethoven). Certa parcela de força dos materialistas é extraída da ignorância e da falta de vivência de seus seguidores.

Seria temeroso afirmar que o materialismo vinculado ao proceder científico está em seus estertores. Argumentação e atitudes apelativas, porém, já se impõem. Citemos dois exemplos, ambos constantes do livro. No frenesi de comprovar que o ser humano é um animal como outro qualquer, sem direito a pretender-se de forma alguma superior ao mundo natural, Beauregard menciona as tentativas de cruzamento entre homem em chimpanzé, visando obter o híbrido "humanzé". Não fossem dois cromossomos a mais a favor do chimpanzé, tal cruzamento já teria sido obtido. "Os sonhos da Razão produzem monstros", antecipou-se Goya.
O outro exemplo é o "capacete de Deus", elaborado pelo neurocientista norte-americano Michael Persinger. Seu intuito é dar descargas eletromagnéticas suaves na região do lobo temporal ― perto das costeletas ― e com isso produzir experiências espirituais e provar sua origem cerebral. Testado o capacete em Dawkins, não funcionou. A cada falha, Persinger culpava o voluntário da ocasião. Apesar dos insucessos, o capacete começou a ser fabricado para venda. Caso ainda possa-se falar em Ciência diante de ocorrências deste nível, e caso estes eventos ganhassem as telas do cinema, seria lamentável não poder contar mais com Vincent Price no papel de certos "cientistas".

Quando os ateus acreditam

Em anos recentes, um dos principais produtos exportados pelo Reino Unido ao mundo tem sido uma carga de livros por autores ateus, tais como o biólogo evolucionista Richard Dawkins e o crítico literário Christopher Hitchins. Eles afirmam, basicamente, que a fé é irracional quando colocada de frente com a ciência moderna. Seus trabalhos têm incentivado uma onda de ateísmo militante na Europa ocidental e fomentado a descrença em Deus em vários cantos do planeta. Ninguém sabe ainda aonde este movimento vai dar, e mesmo se vai chegar a algum lugar além das estantes das livrarias, do sucesso editorial – Deus, um delírio, de Dawkins, virou bestseller – e das discussões acadêmicas. Isso porque, lá mesmo na Grã Bretanha, outros autores ateus parecem estar repensando o que falaram.
Será que há um outro avivamento varrendo a Inglaterra? Não; eles apenas estão examinando a racionalidade do cristianismo e as mesmas crenças que Dawkins e outros estão explorando de maneira bem vantajosa, mas chegam a conclusões bem opostas. Antony Flew, um erudito de fama bem estabelecida, foi o primeiro a dizer que tinha de ir “aonde as evidências o levavam.” Logo, chegou à conclusão de que dentro da teoria evolucionária não existe uma explicação lógica para a origem da vida. Embora ainda não acredite no Deus bíblico, Flew já concluiu que o ateísmo não é logicamente sustentável. De igual modo, Matthew Parris, outro ateu britânico notório, cometeu o erro de ir visitar obreiros evangélicos que atuam com ajuda humanitária em Malauí, na África. Lá, viu o poder do Evangelho transformando a vida de pessoas de maneira inquestionável. Preocupado com o que, disse: “Isso confunde minha crença ideológica, também teima em não se encaixar na minha visão do mundo e também envergonha minha suposição de que não existe um Deus.”
Ainda que Parris não queira seguir adiante com as observações que fez, ele está obviamente lutando com a percepção de mundo do cristianismo faz mais sentido do que a de outras cosmovisões. A verdade é que fé e razão não são inimigas. Se isso puder ser explicado de maneira consistente, pode influenciar as chamadas pessoas pensantes a considerarem as reivindicações de Cristo. Um forte argumento empírico pode ser feito para mostrar que o cristianismo é a única explicação racional da vida. As perguntas básicas que as pessoas fazem acerca da própria existência – de onde viemos, qual o propósito de nossa existência e para onde vamos – encontram resposta no cristianismo. Além disso, a fé cristã ensina que os seres humanos são criados à imagem de Deus, e assim sua dignidade é protegida. Não é apenas uma mera coincidência o fato de que são os cristãos que têm travado a maioria das campanhas sobre direitos humanos.
Vejamos a questão do pecado. Se as pessoas são boas, ou como argumentou o filósofo político Rousseau, os problemas podem ser resolvidos ao se criar um Estado utópico. Mas todos os esquemas utópicos da história acabaram em tirania. Enquanto isso, as religiões orientais enxergam a vida como um ciclo infindável de sofrimento. Não existe nenhuma maneira pelo qual os pecados possam ser perdoados – sendo que no Islã o conceito do perdão é simplesmente desconhecido.
Obviamente, nada disso é novidade. Acontece que, ontem como hoje, uma longa lista de ateus notórios, concentrados na sua grande maioria na Inglaterra, tem voltado para os caminhos da fé. Esses incrédulos começaram a analisar a racionalidade dos postulados do cristianismo e convenceram-se de que a Bíblia fala mais acertadamente sobre a condição humana – a própria definição de uma escolha racional. Quer tenha sido na Era Vitoriana, com Thomas Cooper, George Sexton e Joseph Barker, ou no século 20, com T.S. Eliot, Graham Greene e C.S. Lewis, todos concluíram que é perfeitamente racional escolher uma visão do mundo que nos oferece a melhor escolha para viver e que seja coerente com a maneira pela qual a vida realmente funciona.
O que isso nos diz? As pessoas hoje possuem uma visão caricaturada dos cristãos, vendo-os muitas vezes como seguidores, às vezes hipócritas e críticos, de um livro desatualizado, um compêndio antigo de meras ilusões. Mas se os cristãos puderem explicar porque sua fé é tão razoável, o cristianismo se tornará uma proposta atraente que abrirá a mente – e possivelmente o coração – daqueles muitos que duvidam. Embora não possamos chegar a Deus através da razão, pode-se dizer que o cristianismo é a explicação mais racional da realidade em que vivemos.
[Por Cristianismo Hoje]

Metafísica sem deus

Por Oscar Pilagallo
EXISTE UMA RELIGIOSIDADE possível para o homem contemporâneo moldado intelectualmente pelo racionalismo? Para Karl Marx (1818-83) e Sigmund Freud (1856-1939), a resposta é negativa. Ambos acreditam que a religião é apenas uma maneira de tornar tolerável o intolerável da condição humana. Segundo o autor do conceito de materialismo histórico, religião é uma forma de falsa consciência; de acordo com o pai da psicanálise, não passa de uma expressão da imaturidade do homem.
A resposta positiva, no entanto, não é exclusiva dos que acreditam no sobrenatural. Numa análise psicológica, o pensador alemão Georg Simmel (1858-1918) contesta a visão de mundo sintetizada por seus dois contemporâneos numa série de ensaios reunidos em dois volumes intitulados “Religião” [trad. Antonio Carlos Santos e Cláudia Dornbusch, Editora Olho d'Água, 108 págs., R$ 35; o segundo deve sair em fevereiro].
Para o filósofo, no passado, a religião cumpria o papel de dar um sentido de reconfortante unidade ao homem. Hoje, acredita, se a crença em Deus foi colocada em xeque pelo racionalismo, a necessidade humana de superar a fragmentação da realidade se mantém. “Essa aspiração é o legado da cristandade”, diz. “A necessidade de encontrar um ponto fixo em meio à instabilidade ao redor [...] nutre as ideias de transcendência.”
Simmel critica o ceticismo dos que reduzem Deus a uma construção humana. Pela perspectiva iluminista, ou existe “na realidade” uma esfera divina ou a fé em Deus é pura fantasia subjetiva.
O autor rejeita esse dualismo e propõe uma terceira posição: a dimensão metafísica da religião está contida na essência religiosa do próprio ser humano, abrindo espaço para a concepção humanista da espiritualidade sem Deus. “A religiosidade subjetiva não garante a existência de um mundo metafísico exterior, mas é ela mesma a realização direta desse mundo.”
Pouco conhecido no Brasil, apesar de citado por autores como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, Simmel nasceu em Berlim, num meio judeu-cristão que o marcou culturalmente, embora sua religiosidade, como ele a define, tenha sido “flutuante”. Na realidade, o autor é agnóstico, pois considera estar além da capacidade humana afirmar a existência ou a não existência de Deus. É a partir dessa perspectiva que procura entender a relevância da religião num mundo cada vez mais secular.
Georg Simmel pode ser alinhado aos formuladores da noção do misticismo ateu, ou ateísmo místico, como sugere no prefácio Frédéric Vandenberghe, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Tal ideia parte do princípio de que o misticismo não tem, necessariamente, origem religiosa, resultando também de outras motivações, como o êxtase da união pelo amor ou do contato com a arte, que conectam o ser humano a algo que o transcende.
Talvez nenhuma obra condense com mais intensidade tais esferas -a espiritual e a carnal- do que “O Êxtase de Santa Teresa”, do escultor italiano Gian Lorenzo Bernini (1598-1680). Representação mais conhecida da religiosa, o trabalho retrata Santa Teresa d’Ávila (1515-1582) em levitação, no momento em que recebe um anjo, cena que “se situa na instável fronteira entre o mistério sagrado e a indecência”, segundo Simon Schama em “O Poder da Arte” [trad. Hildegard Feist, Companhia das Letras, 504 págs., R$ 89].
Para o crítico, “a seu modo, eles formam um casal”. Schama contesta os especialistas que rejeitam a intenção erótica da obra com o argumento de que não passaria pela cabeça do escultor do papa conceber como convulsão orgástica o arrebatamento espiritual da freira. “O anacronismo moderno”, escreve, “não é a união de corpo e alma [...], e sim sua pudica separação em experiência sensual e experiência espiritual. Na época de Bernini, entendia-se e experimentava-se o êxtase como sensualmente indivisível”.
A interpretação do historiador tem respaldo no trecho da autobiografia em que Bernini se baseou. Primeira prosadora da língua espanhola, tendo antecedido o contemporâneo Miguel de Cervantes, que era seu leitor, Santa Teresa conta no “Livro da Vida” [trad. Marcelo Musa Cavallari, Penguin-Companhia, 418 págs., R$ 27,50], que via nas mãos do querubim “um dardo de ouro grande e no final da ponta me parecia haver um pouco de fogo. Ele parecia enfiá-lo algumas vezes em meu coração e chegava às entranhas. Ao tirá-lo me parecia que as levava consigo e me deixava abrasada em grande amor de Deus. Era tão grande a dor que me fazia dar aqueles gemidos [...]. Não é uma dor corporal, mas espiritual, ainda que não deixe o corpo de participar em alguma coisa e até bastante”.
Escritas a pedido de seus confessores -para usá-las como peça de defesa diante da Inquisição (que a absolveu), -as memórias da santa revelam um surpreendente e atribulado itinerário espiritual. Teresa foi uma menina rica, bonita e vaidosa. Entrou para o convento ainda adolescente por acreditar que a vida entre monjas seria mais livre do que a de esposa de um fidalgo espanhol, atitude que é objeto de uma autorreprovação que permeia todo o livro. O crescimento espiritual se deu aos poucos, em meio a vômitos, dores e espasmos que a debilitaram a ponto de ser dada como morta. Recuperada, teve a saúde precária até os 40 anos, com sintomas de desequilíbrio emocional que mais tarde a psicanálise associaria à histeria. É nessa idade, quando entra em contato com a obra de Santo Agostinho (354-430), que começa a ter visões divinas.
Autodidata, a santa “descrevia suas experiências sem se preocupar em dar-lhes fundamentação teológica”, como observa Frei Betto no prefácio. Sua religiosidade só ganharia contorno mais definido com a leitura da autobiografia de um dos principais formuladores do cristianismo. Em “Confissões” [trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina, Coleção Folha Livros que Mudaram o Mundo, 250 págs., R$ 15,90], Teresa aprendeu o lugar da alma. “Se a alma evita o mundo, vive, e se o busca, morre”, anotou o Bispo de Hipona.
No convento, Teresa desaprovava a vida mundana das religiosas, que, alheias ao ensinamento de Agostinho, mantinham laços com a sociedade. A santa, ao contrário, queria que sua alma vivesse e procurou, ao fundar a austera ordem das carmelitas descalças, o isolamento e a vida contemplativa.
Foi com esse espírito que Teresa revolucionou a espiritualidade cristã. “Arrancou Deus dos píncaros celestiais e o situou no cerne da alma”, afirma Frei Betto, para quem a freira, que enfrentou com determinação e vontade própria as autoridades eclesiásticas do seu tempo, pode ser considerada uma feminista “avant la lettre”.
O conteúdo da fé de Agostinho ou Teresa certamente não passa pelo crivo do Iluminismo, já que a fé não pode ser explicada racionalmente. Mas, quando se pergunta sobre a religiosidade possível do homem contemporâneo, a questão não é de conteúdo.
“Os místicos mais profundos apresentam uma notável indiferença ante o conteúdo da fé”, diz Georg Simmel. Para ele, a fé das pessoas intensamente religiosas é em si um fenômeno metafísico, “cujo significado e existência são completamente independentes dos conteúdos aos quais a fé se agarra”.
Tais pessoas, e esse seria o caso de Teresa e Agostinho, prescindiriam da religião como referência exterior, bastando-lhes a própria religiosidade de seu espírito. Para quem, então, a religião seria mais necessária? Para as pessoas pouco religiosas, afirma Simmel. “O fato de justamente os indivíduos não religiosos terem maior necessidade de religião”, argumenta o filósofo, “deixa de ser um paradoxo se pensarmos na situação análoga de que a alma plena e instintivamente moral não necessita de nenhum código moral separado, formulado como imperativo ético.”
Os crentes de verdade, na hipótese remota de perderem Deus, conservariam em si o valor metafísico que ele representa, acredita Simmel. “No entanto, a maioria das pessoas perde tudo ao perder Deus, pois a massa precisa de algo ‘objetivo’ num sentido completamente diferente daquele do indivíduo intenso e criativo.”
A questão, para voltar à pergunta que abre este texto, é saber se as pessoas conseguiriam se afastar da substância dos “fatos” transcendentes e se aproximar da “autoconsciência do significado metafísico de nossa existência”.
Há cem anos, quando publicou o ensaio “O Problema da Situação Religiosa”, Simmel colocou um “enorme ponto de interrogação” sobre essa possibilidade. Ele continua no mesmo lugar.
[Folha de S.Paulo, edição de domingo, 30 de janeiro de 2011, Ilustríssima]

Pensamentos

15 de julho de 2010 - Guarulhos/SP - tarde chuvosa e nublada
Carlos Carvalho - para o grupo Kosmos

     Sabem quando o dia se torna estranho, meio sem nexo, escurecido (não apenas pelas nuvens carregadas) e aparentemente disfuncional? Já se sentiram assim? Pois é, algumas raras vezes me pego com este sentimento, se é que se pode dizer: sentimento. Em épocas deste tipo (uso a referência temporal época para que saibam que é algo raro mesmo!), me surpreendo com a quantidade de questionamentos sobre vários âmbitos da vida, do tempo e do mundo que me sobrevêm. O tempo está passando e para alguns ele parece fazer questão de se impor, com a flacidez da pele, a descoloração natural de seus cabelos, rugas, falta de resistências, diminuição das energias e etc. A vida não se faz justa para muitos que, sem perspectivas, ficam à mercê de algum “milagre”, à semelhança daquele filme com Tom Hanks: “A Espera de Um Milagre”, milagre este que chegam à vida das pessoas necessitadas do filme, mas não para o grandalhão que “faz” os milagres e, no final, morre, sem, contudo, experimentar qualquer milagre, a não ser uma vida “satisfeita” por ter “cumprido” a sua “missão pessoal na terra”. Para outros, a vida lhes reserva problemas insolúveis, questões “irresolvíveis”, seja no sentido emocional (a outra cara-metade que nunca aparece), como psicológicas (as tentativas de responder aos porquês – e são tantos!), pessoais (como, por exemplo: porque não tomo logo esta decisão ou por quanto tempo ainda vou agüentar isso?) e as de ordem existenciais de onde vim, para onde vou, quem sou eu, porque nasci assim e etc.). Um permanente e incessante turbilhão de pensamentos inquietantes e que continuarão pela vida toda sem as devidas respostas. Oh vida! O que dizer deste mundo. Um lugar ao mesmo tempo maravilhoso, cheio de vida e oportunidades, de beleza e encantos, com mistérios e grandeza, de alto a subsolo, de visível a invisível, de orgânico a subatômico, de terráqueo e cósmico-espacial: esplêndido. Mas também um lugar de sujeira, de corrupção, de morte, de assassinatos, de guerras, de destruição, de ganância, de abusos, de libertinagens, de falsas liberdades, de mentiras e enganos, e os adjetivos podem se multiplicar indefinidamente. Será que foi em alguma obra de Shakespeare que alguém disse: “Adeus mundo cruel?”. Mundo cruel, mundo amado, mundo rude, mundo receptivo. O mundo.
    Pensamentos estranhos esses, não? Mas acredito que eles não são unicamente meus! Penso com sobriedade sobre essas coisas, todavia não perco minhas esperanças que coisas boas podem a cada instante acontecer, como às vezes vemos, no meio de uma tempestade ou de uma chuva torrencial, um raio de sol por entre as nuvens. Isso indica que o sol está lá, além de tudo isso e que tudo passa e, por fim, o tempo muda e melhora. Sempre haverá uma manhã de sol a nascer, mesmo que demore um pouco. Sempre haverá um dia novo a cada manhã, com vida renovada. Digo isto porque li por cima uma reportagem na net hoje sobre um paciente que movia apenas os olhos e mesmo que seus parentes ou médicos pensassem que seria melhor ele não viver mais, esse cara acenou com os olhos (não sei como é esse tipo de comunicação naquela situação, quais aparelhos utilizados, não importa) e disse que desejava continuar a viver. Muitos, mas muitos precisam “ouvir” essa pessoa, não acham?
Paz

Górgias de Leontini

Nascido em Leontini , na Sicília (480- 375 a.C. ), foi um retórico e filósofo,  professor de oratória e retórica na Sicília e, depois de 427 a.C., em Atenas, que junto à Protágoras, formou a primeira geração de sofistas. Como filósofo, não acreditava na existência de uma ciência real.  
Foi enviado à Atenas por seus compatriotas na função de embaixador, chefiando um grupo que pediu pela proteção da cidade contra a agressão dos siracusanos .Recusou-se a assumir o apelido de sofista, preferindo ser chamado de retórico. Tornou-se reconhecido por ter introduzido os aspectos formais da técnica da retórica na Grécia. Apresentava um estilo enérgico e criativo, e poetava com exímia habilidade para improvisação. Dizia que não ensinava virtude(ou excelência), e sim a técnica da persuasão. Em outras palavras, habilitava seus discípulos a estarem de prontidão para discursar sobre qualquer tema. O retórico, portanto, tinha a necessidade de convencer os seus ouvintes independentemente de qualquer conhecimento sobre o assunto proposto.
Uma característica especial de suas aparições era a de ouvir questões da platéia sobre todos os assuntos e respondê-las sem qualquer preparo
Górgias para fundamentar sua filosofia toma por base o niilismo, a descrença por razão principal, onde nada existe de absoluto, onde não existem verdades morais e nem hierarquia de valores. A verdade não existe, qualquer saber é impossível e tudo é falso porque é ilusório. É autor da obra intitulada "Do não ser", na qual desenvolve as três teses:
·         Nada existe, o ser não é uno, não é múltiplo, nem “incriado” e nem gerado, por conseguinte o ser é nada;
·         Se alguma coisa existisse não a poderíamos conhecer, mesmo que o ser existisse, não poderia ser conhecido, pois se podemos pensar em coisas que não existem é porque existe uma separação entre o que pensamos e o ser, o que impossibilita o seu conhecimento;
·         Se a conhecêssemos não a poderíamos manifestar aos outros, mesmo que pudéssemos pensar e conhecer o ser nós não poderíamos expressar como ele é porque as palavras não conseguem transmitir com veracidade nada que não seja ela mesma. Quando comunicamos, comunicamos palavras e não o ser.
Os escritos de Górgias são tanto retóricos quanto performáticos; o autor faz grande esforço para exibir sua habilidade de fortalecer uma posição argumentativa absurda. Consequentemente, cada uma de suas obras defende pontos de vista que eram impopulares, paradoxais e até mesmo absurdos.

Anaxímenes de Mileto

Nascido em Mileto ( 570—526 a.C.),  fez importantes contribuições à filosofia da natureza e à astronomia. Assim como se dá com os demais milesianos, praticamente nada se sabe  a respeito de sua vida. Dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a afirmar que a luz da Lua é proveniente do Sol. Tudo provém do ar, através de seus movimentos: o ar é respiração e é vida; o fogo é o ar rarefeito; a água, a terra, a pedra são formas cada vez mais condensadas do ar.
Para ele, o princípio fundamental da Natureza era o ar, e a própria alma era constituída de ar. A rarefação ou condensação dessa substância primordial produzia as transformações do mundo e até mesmo o calor e o frio eram determinados por esses fenômenos (frio = condensação; calor = "afrouxamento" do ar). E dá como exemplo o ar que sai da boca: se assopramos com os lábios mais apertados (fazendo beiço) o ar sai frio, e se "assopramos" com a boca aberta, sai quente..
Anaxímenes achava que a Terra, o Sol, a Lua e os demais corpos celestes eram planos e flutuavam no ar. Além disso, todos os corpos celestes haviam se originado da Terra e se moviam em torno dela (sistema geocêntrico).
A Terra, acreditava Anaxímenes, foi formada primeiro, e dela, ergueram-se as estrelas, dando a impressão de que estas são rarefações do fogo. A Terra era plana e boiava no Ar. O Sol também era “plano e largo como uma folha” e caminhava através do Ar.
Anaxímenes diz que o ar é infinito, envolve todo o cosmos, parece não ter limites e ocupa uma vasta região do mundo já desenvolvido e penetra todas as coisas.A onipresença extensiva do ar empirico é maior que da água, além de ser um princípio ativo e emm movimento(empurra os barcos, movimenta as ondas,etc.)
Em segundo lugar o ar tem carater divino. Anaxímenes diz que o ar é Deus e se compara com a alma. O ar constitui a matéria adequada pra o racionalismo do grupo de transformações.
Principais fragmentos:
·         “Do ar nascem todas as coisas existentes, as que foram e as que serão, os deuses e as coisas divinas”
·         “ O ar é Deus”
·         “ O ar contraido ee condensado da matéria é frio, e o ralo é frouxo e quente. Como nossa alma que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o Cosmo, sopro e ar mantém”.

Epimênides

Nasceu na ilha de Creta, por volta do séc. VI a.C., foi filósofo, profeta e poeta grego. Diz-se que esteve em Atenas no tempo de Sólon, onde os achados históricos, conforme descrito por Diógenes Laertius, lhe atribui ter limpado a cidade de uma praga que a assolava. Diz-se também que já visitara a cidade dez anos antes das guerras com os persas, sendo que as duas visitas estão separadas por mais de cem anos. Todavia, várias autoridades relataram que ele viveu entre 154 e 299 anos.
Algumas teorias infundadas sobre Epimênides alegava que ele podia "viajar fora do seu corpo" e que vivera outras vidas anteriores. Um episódio insólito sobre ele seria o de ter adormecido no interior de uma caverna, lá permanecendo por cerca de 57 anos.
Dito como "homem estranho" pelo seu povo, Edpimênides era um dos poucos da sua época e região que criam em apenas um Deus. Conta-se que Epimênides foi convocado de Knossos, na ilha de Creta, para Atenas, quando os habitantes da cidade enfrentavam uma terrível peste. Nenhum dos deuses de Atenas tinha sido capaz de livrá-los dessa praga e o oráculo de Delfos indicava a existência de um Deus que não estava sendo agradado pelos atenienses. Epimênides sabia como agradar a esse Deus "ofendido e desconhecido". Quando chegou a Atenas, soltou um rebanho de ovelhas no Areópago, orientando a população a erguer um altar "ao Deus desconhecido" no local onde elas parassem para repousar. Vários altares foram construídos e a praga cessou.
Segundo Pausanias, quando Epiménides morreu, sua pele ficou ao descoberto, e se deram conta que estava tatuada com umas figuras estranhas parecidas a escrituras. Isto criou discórdia sobre seu estatus de profeta, porque os gregos reservavam os tatuajes unicamente para os escravos. Hoje em dia alguns eruditos modernos têm visto isto como evidência de que Epiménides era herdeiro das religiões chamánicas da Ásia central, devido a que o ritual do tatuaje se associa com freqüência à iniciación do chamán destas religiões.
Epimênides dizia que todos os Cretenses são mentirosos,citado na epistola de Paulo à Tito(Tito 1:12). A representação dos cretenses como enganadores e mentirosos pode ter surgido da pretensão deles de terem em sua ilha o túmulo de Zeus. Mas a reputação dos cretenses de serem mentirosos a fim de lograr fins egoístas (o contexto do vs 11) era tão amplamente difundida que origem ao substantivo “cretismo”, que quer dizer “conduta cretense” ou “falar como cretense”, significando: “dizer a mentira”, “enganar”.
A expressão “bestas ruins”, demonstra o caráter selvagem e cruel dos cretenses dos dias de Epimênides e dos dias de Paulo e Tito. Costumavam arredar todos de seu caminho para obterem vantagem pessoal.
“Ventres inativos”, estigmatiza os cretenses como glutões, indolentes e ávidos por sexo. Os cretenses, pois, são falsos, egoístas e amantes dos prazeres.
Essa afirmação resulta também num dos mais famosos paradoxos,“todos os cretenses são mentirosos”. Como a afirmação foi feita pelo próprio Epimênides, que era cretense, constitui-se em um paradoxo: se a afirmação é correta, Epimênides, por ser cretense, está mentindo; se Epimênides está mentindo, a afirmação, entretanto, deveria ser falsa.