Pecados Secretos ou de Foro Íntimo que criam Maldições
Deuteronômio 27.11-26
Antes de entrar no texto propriamente dito, preciso dar algumas
explicações para que eu não seja mal compreendido em minhas palavras. Este é um
texto que tem destinatário certo (Israel ante a terra de Canaã), um período
detectável (pouco antes da morte de Moisés cerca de 1405 a.C.) e um contexto
histórico definido (após quarenta anos de peregrinação no deserto). Com isso
quero dizer que reconheço a historicidade e as especificações do que o texto
fala e para quem fala.
Mas outra coisa é: para além do texto, há uma revelação de intenções
divinas, uma revelação de princípios (que chamo de leis imutáveis de Deus) e
uma demonstração da eterna ética e moral do Senhor em relação aos pecados dos
homens e com a execução dos castigos ou punições merecidas por esses atos, que
em qualquer sociedade, “moderna” ou “primitiva”, são normas essenciais de
conduta e de limites impostos para o bem comum.
Também se faz necessário traduzir para os nossos dias a palavra
“maldição” ou “maldito” que no texto aparece. O “maldito” é o adjetivo daquele
que é alvo de uma maldição. Não sou adepto dos ensinos freqüentes sobre
maldições, mas é preciso dizer que a quantidade de palavras tanto no Novo como
no Velho Testamento para “maldição” e suas respectivas variantes é enorme. Isso
não se dá meramente, há um objetivo nisto.
Para resumir o que quero dizer, vou simplificar o significado. Toda a
forma de maldição que aparece principalmente no Antigo Testamento nada mais é
do que uma conseqüência pelos atos vis, pecaminosos ou criminais que alguém
pode cometer contra Deus, contra sua Lei ou contra o próximo. Uma maldição é,
portanto, uma execução efetiva da justiça esperada pelos erros graves
cometidos. Quando lemos textos como o de nossa referência, percebemos
claramente que a maldição é simplesmente a punição por alguma infração grave
prescrita na Lei de Deus para o povo.
Tornar-se “maldito” ou estar debaixo de uma “maldição” é tornar-se
passivo de ser punido pelas leis prescritas, pela justiça de Deus ou pela
própria sociedade por atos malignos cometidos contra outrem ou contra Deus.
Assim fica mais fácil de compreender a ética por trás das maldições, não
meramente como algo subjetivo ou apenas sobrenatural, mas de caráter físico,
natural e efetivo. Não há, então, maldições ou punições sem haver cometido
alguma infração, pecado grave ou crime. Aqui entra o nosso texto.
Moisés descreve doze tipos de comportamentos que são passivos de punição.
Porque esses tipos foram escolhidos e não outros? Pelo simples fato desses
descritos serem pecados ou crimes cometidos ocultamente e de difícil flagrante.
Chamamo-los de pecados ocultos ou de foro íntimo, mas que não poderiam deixar
de ser punidos. São situações que, se não houver um denunciante, dificilmente
saberíamos do acontecido. Perceba que desde a antiguidade bíblica, crimes
dolosos ocultos e intenções malignas de violência e afins eram inaceitáveis.
Esses doze comportamentos inapropriados e desprezíveis podem ser fundidos
em seis blocos:
Bloco 1 – Pecados da Idolatria (v.15) –
a idolatria tem muitos “filhos” e se apresenta de diversas maneiras criativas.
Não me estenderei, apenas digo o grande objetivo da idolatria: desviar o olhar
do ser humano da pessoa de Deus. Fazer o ser humano olhar para o lado, para
outra coisa, para as criaturas ao invés de direcionar sua vida para Deus
somente. Idolatria é desvio de foco, desvio de propósito, desvio da honra e da
adoração que a Deus apenas pertence.
Bloco 2 – Pecados familiares (v.16) –
esta é a base fundamental de toda a sociedade, a família padrão. Aqui está a
base e o fundamento de todos os problemas sociais mais graves que enfrentamos
hoje: a destruição das relações de família. Filhos que desprezam, abandonam e
violentam seus pais. Pais que abandonam, violentam e abusam de seus filhos.
Alguns imaturos espiritualmente ainda acreditam que mudar o modelo base de
família irá resolver esses problemas. Coitados!
Bloco 3 – Pecados sociais (v.17 ao 19)
- interessantes estes. Mudar “os marcos”
do seu próximo era roubar o direito que ele tinha ao seu pedaço de chão, ou
seja, remover os limites que o outro tinha demarcado como sua propriedade.
Fazer o “cego errar seu caminho” era cometer crime contra pessoas incapazes e
deficientes. “Perverter” o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva era
crime contra os direitos humanos.
Bloco 4 – Pecados sexuais (v.20 ao 23) –
esses eram bem definidos. Ter relações sexuais com a madrasta, com animais, com
irmãos (incesto) ou com sogros também era passivo de punição. Por quê? Por
causa da quebra da confiança e da valorização da pessoa humana. Sexo com
animais tornaria o homem igual em instintos e irracionalidade e os outros era a
destruição da confiança e proteção familiar esperada em qualquer contexto de
família.
Bloco 5 – Pecados de violência (v.24 e 25)
– esses parece que são os únicos que em nossos dias ganham alguma evidência de
preocupação e ação de nossa parte enquanto sociedade. Provocar ferimentos em
quem quer que seja sem que ninguém saiba é crime grave. Aqui podemos incluir
até a pedofilia, os abusos aos idosos, às crianças e a violência matrimonial.
Contratar ou aceitar dinheiro para matar o outro é igualmente inaceitável e
punível com rigor e efetividade.
Bloco 6 – Pecados de desobediência (v.26)
– quando uma pessoa não “confirma” (não aceita ou rejeita) deliberadamente os
termos da justiça, da ética, da moral e das leis divinas, ela também, da mesma
maneira e sem temor, desrespeitará qualquer padrão de comportamento ético e
moral que exista na sociedade onde vive. Não precisamos ir longe nas
descrições. É necessário somente olhar a mudança de comportamento das pessoas
de hoje e como se alterou para pior, não para melhor.
Encerro fazendo uma pequena consideração. Teólogos, Mestres e Líderes cristãos
podem fazer uma grande objeção ao que escrevi dizendo que em Cristo essas
“maldições” não fazem mais efeito sobre nós porque “Ele nos resgatou da
maldição da lei” (Gálatas 3.13), mas quero ainda nos fazer pensar de duas
formas sobre isso:
Primeiro – sinceramente acredito que
Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição em nosso lugar e
por isso, os efeitos da maldição da lei não podem realmente trazer danos na
vida de todo aquele que crê e vive em Cristo. Isto é ponto pacífico entre nós.
Segundo – tenho apenas uma pergunta: se
nós agora que estamos em Cristo, livre do poder da maldição, agirmos de acordo
com esses pecados e crimes não receberemos nenhuma punição por essas práticas?
Quer dizer que em Cristo, mesmo que cometamos esses pecados ou crimes estamos
livres de um julgamento? Não creio que algum cristão sincero responderia
positivamente a isso!
O Novo Testamento é taxativo quanto a isso:
“Porque se
voluntariamente continuarmos no pecado, depois de termos recebido o pleno
conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados,
mas uma
expectação terrível de juízo, e um ardor de fogo que há de devorar os
adversários.
Havendo alguém
rejeitado a lei de Moisés, morre sem misericórdia, pela palavra de duas ou três
testemunhas;
de quanto
maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de
Deus, e tiver por profano o sangue do pacto, com que foi santificado, e
ultrajar ao Espírito da graça?
Pois
conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu retribuirei. E outra vez: O
Senhor julgará o seu povo.
Horrenda coisa
é cair nas mãos do Deus vivo.”
Hebreus
10:26-31
E isto para não citar Pedro, Tiago, João e Paulo.
Carlos Kleber Carvalho
Teólogo