A VIDA EM TEORIA DE STEPHEN HAWKING
Recente filme sobre a vida do famoso cientista britânico
Stephen Hawking suscitou uma interessante análise que foi publicada no nº 324
da revista Ciência Hoje publicado em maio de 2015. Nessa análise, o pesquisador
brasileiro Prof. Felipe Tovar Falciano, do Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas, ressalta que o filme, intitulado “A teoria de tudo” dá mais destaque à
biografia do físico britânico do que à sua busca por uma equação capaz de explicar
todos os fenômenos da natureza. Julgamos de interesse para nossos leitores o
conhecimento dessas considerações, pelo que transcrevemos a seguir o texto
publicado naquela importante revista de divulgação científica.
O filme “A teoria de tudo”
tem como enredo principal a vida do físico britânico Stephen Hawking. Hawking é
conhecido não só por seus trabalhos em cosmologia e física de buracos negros,
mas também por sua doença, que acabou por colocá-lo dentro de um estereótipo de
gênio com cérebro brilhante em condições físicas limitadas.
O título do filme é uma menção
direta à ideia das chamadas “teorias finais”, as quais seriam capazes de
explicar todos os fenômenos da natureza com um único formalismo. A afeição de
Hawking por esta ideia aparece no filme, por exemplo, quando ele faz uma
pergunta retórica a Dennis Sciama, seu orientador de doutorado: “não seria bom
se houvesse uma simples equação que pudesse explicar tudo?” Mas infelizmente,
até o momento, as teorias de unificação são apenas um pote de ouro no fim do
arco-íris.
É verdade que na Física moderna
encontramos exemplos de unificação entre teorias outrora independentes. O
próprio eletromagnetismo é em si a unificação dos fenômenos elétricos e
magnéticos que, antes do século 19, eram entendidos como manifestações
independentes. Outro exemplo é a “teoria eletrofraca” – com validade para altas
energias – que unifica o eletromagnetismo e as interações nucleares fracas
(responsáveis pelo decaimento radiativo).
Podemos apontar pelo menos três
contribuições de peso acertadamente salientadas no filme. Hawking contribuiu de
modo significativo no desenvolvimento dos teoremas de singularidade aplicados à
cosmologia, fez a proposta pioneira de que buracos negros emitem radiação
térmica (hoje chamada de “radiação Hawking”) e publicou trabalhos relevantes na
área de cosmologia quântica, área fenomenológica que descreve o passado remoto
do universo e na qual a gravitação é uma interação quântica.
Essa aspiração pela “teoria de
tudo” se afina, embora não tenha nenhuma relação direta, com a explícita
postura cética do cientista ateu. Em um dos momentos finais do filme, Jane, sua
então mulher, lê uma passagem do livro “Uma breve história do tempo” em
que Hawking parece rever sua postura de cético ateu. Ela pergunta com ar de
surpresa se ele passou a reconhecer a presença divina. A cena é bem construída
e pode deixar dúvidas pelas reticências de Hawking, mas seu silêncio
provavelmente é apenas mais uma amostra de seu respeito e carinho por Jane.
Apesar do título escolhido, o
filme não desenvolve o assunto de “teorias de unificação”. A trama tem um
enfoque pessoal, centrado nas relações e nos desdobramentos da vida do casal. A
história foi inspirada no livro Travelling to infinity: my life with Stephen,
escrito por Jane, o que nos permite reinterpretar o título como as visões e
lembranças (a teoria) dos fatos e acontecimentos (de tudo) na vida de Jane e
Hawking.
Para os amantes de ciência, é
inevitável a atração por assistir “A teoria de tudo”. Por isso, vale ressaltar
que há pouca informação sobre os trabalhos de Hawking no filme. Alguns diálogos
são inteligentes e sarcásticos, como a explicação de Hawking sobre o que é
cosmologia. O leitor não deve esperar um filme melodramático; ao contrário,
existe não só um tempero refinado e bem equilibrado, com pitadas de humor,
delicadeza, demonstrações de estima e respeito mútuo, mas também a narrativa da
difícil luta contra uma doença avassaladora.
O retrato caricato da vida
acadêmica não é muito original e tem, como sempre, mitificações e
endeusamentos, embora não prejudiquem o bom andar da história. E como a
abordagem dos temas científicos é escassa, fora um detalhe ou outro, não há
qualquer ressalva quanto aos conceitos descritos no filme. Contudo, é
praticamente impossível abordarmos temas como buracos negros, início do
universo e natureza do tempo sem aflorar o interesse até dos mais apáticos.
Assim, me vejo absorvido pelo desejo de comentar os assuntos relacionados aos
três trabalhos mais famosos de Hawking, mesmo que brevemente.
O modelo padrão da cosmologia
descreve um Universo em expansão a partir de um estado extremamente quente e
denso no passado. A expansão cuida de esfriá-lo e sua densidade diminui com o
passar do tempo. Porém, ao olharmos para o passado, deve ter havido um momento
em que a temperatura e a densidade do Universo se tornaram infinitas, o que
chamamos de “singularidade inicial do modelo” – erroneamente, essa
singularidade chegou a ser interpretada como o início do Universo.
Na ciência, os modelos são
simplificações necessárias para descrever as propriedades mais relevantes de um
sistema. Assim, cogitou-se que essa singularidade fosse apenas um problema da
simplificação usada no modelo cosmológico. A contribuição dos teoremas de
singularidade foi mostrar que a presença da singularidade inicial do modelo
cosmológico é uma propriedade genérica. Em condições pouco restritivas, a
singularidade deve estar presente em todos os modelos cosmológicos.
Um buraco negro é um objeto
astrofísico que tem um horizonte de eventos. Esse horizonte atua como uma
membrana que só deixa passar em uma direção (entrando no buraco negro). Nada
pode escapar dessa região, nem mesmo a luz, e, por isso, o nome buraco negro. A
novidade proposta por Hawking foi que, ao interagir com campos quânticos, os
buracos negros podem emitir uma radiação térmica cuja temperatura depende do
inverso da massa do buraco negro – ou seja, quanto menor a massa de um buraco
negro, mais rapidamente ele evaporaria. Esse trabalho inovador serviu de base
para novas linhas de pesquisa – por exemplo, a analogia entre as propriedades
dos buracos negros e as leis da termodinâmica.
Por fim, a cosmologia quântica
foi uma das áreas extremamente influenciadas por Hawking. Esse campo de
pesquisa descreve modelos de universo em uma fase em que efeitos de gravitação
quântica seriam dominantes.
No filme, Hawking menciona que
não há fronteiras para a diligência humana (“there are no boundaries to
human endeavor”). Tal citação se conecta com uma proposta feita pelo
cosmólogo em que o Universo seria descrito por um estado sem condições de
contorno (boundary). Essa é uma ideia elegante que pretende evitar o
problema da arbitrariedade das condições iniciais em cosmologia. Entretanto, a
ideia de Hawking acaba por ser apenas uma nova proposta de condição inicial do
Universo.
Extraído.
Boletim SCB. Ano III, n.36, junho de 2015, ps. 21-24.
Carlos Carvalho
Pesquisador autônomo