O
Argumento de Leibniz 2
Primeira Premissa
Tudo que existe tem uma explicação para existir.
Uma objeção à primeira premissa: “Deus deve ter uma explicação
para sua existência”
Em princípio, a primeira premissa
pode parecer vulnerável de um modo bem evidente. E tudo que existe tem uma explicação para existir,
e Deus existe, logo Deus deve ter uma explicação para sua existência! Mas isso
parece estar fora de questão, pois a explicação para a existência de Deus
exigiria a explicação da existência de outro ser maior do que Deus. Uma vez que
isso e impossível, a primeira premissa deve ser falsa.
Algumas coisas devem ser
capazes de existir sem que haja qualquer explicação para isso. Um cristão diria
que Deus existe de forma inexplicável. O ateu diria: “Por que não para o
universo? O universo simplesmente existe, de forma inexplicável”. Com isso,
parece que chegamos a um beco sem saída.
Resposta à objeção anterior: “Certas coisas existem
necessariamente”
Vamos mais devagar! Essa evidente objeção a primeira
premissa se baseia em uma compreensão equivocada do que Leibniz quis dizer por
“explicação”. Na visão dele existem duas classes de coisas: (a) as que existem
necessariamente e (b) as que são geradas por alguma causa externa. Vou explicá-las.
(a) As coisas que existem necessariamente existem por uma imposição
ou necessidade de sua própria natureza. Para elas é impossível não existir.
Muitos matemáticos acreditam que os números, os conjuntos e outros entes da matemática
pertencem a essa classe de coisas. Eles não são causados por outra coisa;
apenas existem pela necessidade de sua própria natureza.
(b) Por contraste, as coisas que têm sua existência causada
por outra não existem necessariamente. Elas existem porque algo além delas as
gerou. Objetos físicos conhecidos, como as pessoas, os planetas e as galáxias
pertencem a essa categoria de coisas.
Portanto, quando Leibniz diz que tudo que existe tem uma explicação
para existir, essa explicação pode se encontrar ou em uma necessidade da
natureza da própria coisa ou em alguma causa externa. Assim, a primeira
premissa poderia ser expressa de forma mais completa da seguinte maneira:
1. Tudo que existe tem uma explicação para existir, seja
essa explicação uma necessidade da própria natureza da coisa ou uma causa
externa.
Mas com isso a objeção acima cai por terra. A explicação
para a existência de Deus se encontra na necessidade da própria natureza de
Deus. Como até um ateu reconhece, é impossível que Deus tenha uma causa. Logo,
o argumento de Leibniz é na verdade um argumento em favor de Deus como um ser necessário,
não causado.
Longe de diminuir o argumento de Leibniz, a objeção ateísta
a primeira premissa na verdade ajuda a esclarecer e engrandecer quem Deus é! Se
Deus existe, ele é um ser que necessariamente existe, que não é causado.
Defesa da primeira premissa: “Tamanho não importa”
Então, que razão podemos oferecer para alguém pensar que a
primeira premissa é verdadeira? Bem, quando você começa a refletir sobre essa
premissa, percebe que ela é uma espécie de premissa evidente em si mesma.
Suponha que você esteja atravessando uma floresta e se depare com uma bola translúcida
bem no meio da floresta.
Sua reação natural seria se perguntar como aquilo foi parar
ali. Se alguém que estivesse com você dissesse, “Ora, isso apenas existe, não
tem uma explicação. Não se preocupe com isso!”, você pensaria uma dessas duas
coisas: que essa pessoa estava maluca ou que só estava querendo seguir em
frente. Ninguém levaria a sério a sugestão de que aquela bola existia e estava lá
sem nenhuma explicação, literalmente.
Suponha agora que você aumente o tamanho dessa bola e ela passe
a ser do tamanho de um carro. Isso não mudaria em nada a exigência de uma explicação
para ela. Suponha que ela seja do tamanho de uma casa. Continua havendo a mesma
necessidade de explicação. Ou que ela seja do tamanho de um continente ou de um
planeta. A mesma coisa. Suponha que ela seja do tamanho do universo inteiro. A
necessidade de explicação continua. Meramente aumentar o tamanho da bola não
afeta em nada a necessidade de uma explicação.
A falácia do táxi
As vezes os defensores do ateísmo dirão que a primeira
premissa é verdadeira para tudo que esteja no universo, mas não acerca
do universo em si. Tudo o que existe no universo tem uma explicação, mas o próprio
universo não tem.
Contudo, essa explicação comete algo que tem sido chamado de
“falácia do táxi”. Como costumava dizer com sarcasmo Arthur Schopenhauer,
filosofo ateu do século XIX, a primeira premissa não pode ser dispensada com um
aceno de mão, como se dispensa um táxi depois que se chega ao destino desejado!
Não se pode dizer que tudo tem uma explicação para existir e, de repente, tirar
o universo fora disso. Seria uma atitude arbitraria da parte do ateu se ele
alegasse que o universo é uma exceção à regra (lembre-se que o próprio Leibniz não
fez de Deus uma exceção à regra da primeira premissa).
A ilustração que demos acima com a bola na floresta mostrou
que o simples fato de aumentar o tamanho do objeto a ser explicado, mesmo que
ele chegue ao tamanho do universo inteiro, não anula a necessidade de haver
alguma explicação para a sua existência.
Observe ainda o quanto essa resposta do ateísmo não é cientifica. Pois a própria cosmologia (estudo do universo) atual se dedica a
busca de uma explicação para a existência do universo. A atitude ateísta
mutilaria a ciência.
Outra falácia ateísta: “E impossível que o universo tenha uma
explicação”
Assim, alguns defensores do ateísmo tentaram arrumar uma
justificativa para fazer do universo uma exceção à primeira premissa. Eles disseram
que é impossível que o universo tenha uma explicação para sua existência. Por
quê? Porque essa explicação teria que ser um estado de coisas anterior no qual
o universo ainda não existia. Mas isso seria o nada, e o nada não pode ser a explicação de algo que
existe. Assim, o universo deve somente existir, de forma inexplicável.
Essa linha de raciocínio é uma evidente falácia. Pois ela
assume que o universo seja tudo o que existe, de modo que se o universo não
existisse, haveria o nada. Em outras palavras, a objeção presume que o ateísmo
seja verdade! Os ateístas, portanto, estão cometendo uma repetição de principio,
argumentando em círculos.
Leibniz concordaria com a colocação de que a explicação
do universo deve estar em um estado de coisas anterior à existência do universo.
Mas esse estado de coisas anterior é Deus e sua vontade, e não o nada.
Parece-me,
portanto, que a primeira premissa, em termos plausíveis, é mais verdadeira do
que falsa, e isso é tudo que precisamos para um bom argumento.
(Continua...)
Willian Lane Craig