Escrever sobre temas sociais atualmente é tarefa mais fácil que outrora, pois os temas e assuntos se multiplicaram extremamente. Basta olhar para um pequeno problema ou dificuldade que encontramos e pronto, temos uma abordagem para falar por muito tempo e teorizar de diversas maneiras.
Óbvio que é partir da observação dos problemas e dilemas das pessoas que encontramos a fonte para discorrer os nossos assuntos, mas para mim, talvez nossa abordagem esteja sendo prejudicada por nossa ótica científica ou mesmo acadêmica. E, talvez, em virtude disso, não conseguimos mais “enxergar” de fato os reais problemas de nossa sociedade.
Permitam-me dois exemplos extremos entre si, mas simples. O primeiro é a questão de como devemos tratar as crianças e seu desenvolvimento pessoal e social e assim por diante. Criamos o ECA (claramente um avanço, mas tenho minhas ressalvas!), emendas parlamentares e até leis para que a sociedade e os pais as cumprissem afim de que abusos contra as crianças não sejam mais permitidos; isso foi uma coisa boa.
Mas parece que todas essas coisas foram criadas em ambiente totalmente diferente ou em laboratório acadêmico ou político que diverge em muito da vida diária da qual todos fazemos parte. Vejam, proibimos o trabalho infantil e asseveramos multas e penas pesadas para quem descumprir as leis, mas vemos todos os dias elas serem aviltadas nos faróis, nas esquinas, nas ruas, nos centros e em nossos bairros. Ali, naqueles lugares visíveis, passam todos os dias os acadêmicos, os políticos, os sociólogos e os conselheiros e, parece que ninguém mais pensa soluções reais para problemas reais, talvez porque já fizeram “sua parte” formulando leis e estatutos.
Mas todos nós sabemos que os problemas estão longe de serem resolvidos e não serão solucionados por códigos e estatutos, nem sem uma intervenção direta e concreta de todos os participantes do tecido social. Nós criamos as leis, mas com elas, criamos também seus transgressores. Criamos nossa Quimera, mas não temos nosso Belerofonte. Produzimos textos cujas letras não ganham vida prática e não tocam o mundo real.
O segundo exemplo, e peço que tenham paciência, é o que aconteceu nesses dias na USP. Jovens que se levantaram para protestar em defesa de outros três que foram abordados pela PM porque usavam maconha, e, por isso invadiram o prédio da reitoria. A maioria que estuda por lá são filhos de pessoas mais abastadas da sociedade e a USP tem, para mim, um pequeno índice de bolsas para os mais pobres, que deveriam ser os maiores beneficiários de seu campus.
Em resumo, eles querem que a polícia saia de lá para ficarem livres para usar ou traficar maconha (pois ela tem que chegar lá de alguma forma!) e, desta forma, perpetuar uma prática que ainda é considerada ilegal em nosso país, e que tem sido a porta de entrada para a destruição daqueles que suas famílias não possuem os fartos recursos para o tratamento adequado da dependência de drogas. São esses estudantes que serão os nossos médicos, advogados, cientistas sociais, políticos e mestres do amanhã. Alguém já fez essa pergunta cantando: “como será o amanhã? Responda quem puder!”. Temo que nosso amanhã seja sombrio, perdoem meu pessimismo.
Nossa “sociologia” está andando diametralmente oposta às nossas teses e documentos produzidos no laboratório relativamente seguro de nossas mentes.
Por Carlos Carvalho
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