Teologia como ciência especial I
O método científico e as concepções de teologia em Hodge,
Bavinck, Dooyeweerd e Van Til
24/07/2012 10:32:41
André Luiz Geske1
Alvin Plantinga em seu artigo intitulado “Religion and Science”2
traça uma série de definições sobre ciência. Junto com estas definições, ele
aponta para a fraqueza de cada uma delas mostrando que aquilo que identifica um
campo de estudo como “científico” não faz justiça ao que ele realmente é. Ou
seja, Plantinga mostra que os critérios usados para denominar algo como ciência
não abarcam todo o campo científico. Então, Plantinga tenta demonstrar quais
critérios poderiam identificar algo como ciência afirmando:
Talvez, o melhor
que possamos fazer, em caracterizar algo como científico, é dizer que o termo
“ciência” aplica-se a uma atividade que é (1) um empreendimento sistemático e
disciplinado objetivando encontrar verdade sobre o mundo e (2) tenha um
envolvimento empírico significativo. Isso, é claro, é muito vago (Quão
sistemático? Quão disciplinado? Quanto envolvimento empírico?) e talvez,
indevidamente permissivo. (Astrologia seria contada como ciência mesmo se fosse
apenas uma ciência ruim?) Ainda, temos muitos excelentes exemplos de ciência e
excelentes exemplos de não ciência. 3
Plantinga
reconhece que mesmo propondo estes critérios ainda não se poderia ter uma
definição do que realmente é ciência. A principio, quando comparada com as
demais ciências, a teologia parece inadequada e incoerente. Entretanto, cada
ciência possui suas próprias especificidades, métodos, objetos de estudo e
pressupostos. Isso não é diferente para a teologia e é com base em uma análise
destes elementos que a ciência teológica deve ser delineada. A filosofia, por
exemplo, não tem elementos empíricos para certificar que alguma proposta sua
seja de fato verídica, todavia, ninguém trata filosofia como incoerente ou uma
não ciência desprovida de valor.
Portanto, a definição de Keller sobre ciência parece ser aproveitável. Ele
afirma que ciência é “um sistema de expressões que pode ser justificado em
relação a todos os elementos competentes, sistema que serve para angariar e
ordenar conhecimentos sobre determinado âmbito de coisas segundo determinada
perspectiva.”4 Dessa maneira, cada ciência define seus campos
de pesquisa, sua metodologia e quais paradigmas serão usados nesta inquirição,
a fim de angariar e elencar determinados conhecimentos sob uma determinada
perspectiva e, então, emitir uma conclusão objetiva que sirva para explanar
aquele conhecimento ordenado metodicamente. Então, para exemplificar a
amplitude desta abordagem, Keller cita Karl Rahner e sua respectiva definição
de teologia que se trata do “auto-enunciar-se reflexivo do homem sobre si
mesmo, a partir da revelação divina.”5 O único elemento
ausente nesta perspectiva de Keller é o padrão pelo qual determinada ciência
será avaliada para ser justificável ou não. No caso, a teologia protestante
afirma as Escrituras Sagradas como este padrão. No entanto, Keller faz uma
distinção muito proveitosa quando afirma “e, assim, [teologia] como ciência
humana, que deve ser distinta das outras ciências por uma perspectiva de
questionamento própria.” 6
No entanto, podemos notar em Hodge que a teologia é comparada com as outras
ciências. Na visão dele “a Bíblia é para o teólogo o que a natureza é para o
cientista.”7 O caráter sistêmico permeia todas as ciências,
mas ele é dependente do método que será utilizado. Seguindo o pensamento de
Hodge, inevitavelmente o método indutivo seria o método que o teólogo deve
utilizar. Isto é, coletar os dados das Escrituras e organizá-los
sistematicamente.8
Neste respeito, três proposições estão sendo deixados de lado. (1) a teologia
trabalha com questões metafísicas e que são anteriores a qualquer raciocínio
propriamente. Ou seja, a teologia trabalha com pressuposições básicas
interpretadas previamente e (2) o raciocínio humano tem um papel fundamental
neste processo, pois dependerá dele que a coleta e análise dos dados sejam
satisfatórias. (3) a teologia teria de ser uma ciência estanque sem comunicação
com as demais. Hodge faz uma distinção importante para abarcar este último
ponto. Ele aponta para a tarefa da teologia bíblica como aquela que deve
asseverar e declarar os fatos das Escrituras e a teologia sistemática como
aquela responsável em fazer a relação com outras verdades cognatas em outros
campos. Entretanto, a teologia bíblica também deve trabalhar com verdades
cognatas de outras áreas, sendo assim, ela não está inerte dedicando-se
unicamente a Escritura Sagrada. Logo, qualquer área da teologia terá por
obrigação se relacionar com as demais ciências. Quanto ao ponto dois,
verifica-se constantemente que a razão humana falha em captar, organizar e
analisar dados em qualquer área. Não seria diferente da teologia. Isso não
elimina a razão humana, mas aponta para sua limitação e para a necessidade da
teologia ser revista sempre a luz das Escrituras Sagradas. A subjetividade
humana necessariamente precisa estar debaixo da objetividade das Escrituras.
Esta subjetividade liga-se com o primeiro ponto tratando da metafísica da
própria criação e das pressuposições que estão envolvidas na construção da teologia.
A teologia analisa a realidade última das coisas que a Escritura revela. As
Escrituras também mostram os pressupostos que estão envolvidos na construção
teológica. Pressupostos anteriores a teologia oriundos do coração humano –
subjetividade – que influenciam a forma que a teologia terá quando se confronta
com seu objeto de estudo – a revelação de Deus manifesta no horizonte temporal,
isto é, as Escrituras Sagradas [objetividade].
Millard Erickson argumenta em favor da cientificidade da Teologia, mas não tão
estritamente como a Hodge. Hodge afirma que “o teólogo deve guiar-se pelas
mesmas regras do que o cientista.”10 Enquanto isso, Erickson
coloca que o cristianismo para ser estudado adequadamente precisa ser uma
ciência. No entanto, não precisa ser uma ciência no sentido mais restrito das
ciências naturais. Ele cita o conceito europeu de ciência, no qual os alemães
fazem diferença entre Naturwissenschaft – ciência da natureza eGeisteswissenschaft – ciência do espírito.11
Nesta última, a teologia se adequaria, pelo fato de tratar com as questões
últimas quanto a Deus e sua criação revelada nas Escrituras Sagradas e não com
fatos propriamente empíricos e observáveis na natureza. Toda vez que uma
ciência, seja ela qual for, especifica seu campo de pesquisa e aprofunda em sua
busca por conhecimento buscando o fim último de algo, então ela chega a uma
realidade filosófica que está além do campo da verificação. Dessa maneira,
Erickson propõe alguns parâmetros científicos para a elaboração da ciência teológica.
Muito próximo de Hodge, Erickson afirma que a teologia precisa comportar alguns
dos critérios tradicionais do conhecimento científico: (1) Um objeto definido
de estudo; (2) um método para investigar o objeto em questão e para verificar
suas declarações; (3) objetividade no sentido de que estudo lida com fenômenos
externos à experiência imediata do pesquisador, sendo, portanto, acessível a
investigação de outros; (4) coerência entre proposições do objeto em questão,
de modo que o conteúdo forme um corpo definido de conhecimento, não uma série
de fatos desconexos ou pouco relacionados entre si.12
No entanto, Erickson afirma que a teologia aceita as mesmas regras da lógica
que as outras disciplinas. Surgindo dificuldades, a teologia não invoca
simplesmente um paradoxo ou a incompreensibilidade. 13Apesar do
pensamento teológico de Erickson ser sofisticado, quando ele trata de trindade,
ele reconhece mistério e a limitação da mente humana e, com isso, a limitação
da lógica para a compreensão deste ponto da teologia.14 O
mesmo ocorre quanto a doutrina da dupla natureza de Cristo.15
Provavelmente, ele esteja se referindo a neo-ortodoxia que utiliza o conceito
de paradoxo em sua elaboração seguindo a filosofia de Kierkegaard e o conceito
de alteridade divina que lança ao longe a possibilidade de se conhecer a Deus.
Por isso, Erickson cita a incompreensibilidade junto com o paradoxo.16
Pode-se verificar que a lógica das outras ciências não pode ser aplicada
irrestritamente a tudo na teologia.17 Erickson, em contrapartida,
argumenta que a teologia ainda é comunicável, pois se utiliza de elaborações
proposicionais, aponta para sua semelhança metodológica com a filosofia e a
história e finaliza mostrando que ela partilha alguns objetos de estudo com
outras disciplinas. Portanto, existe a possibilidade de pelo menos algumas de
suas proposições serem confirmadas ou refutadas por outras disciplinas.18
A tendência de métodos como o de Hodge e Erickson é direcionar-se à uma
compreensão mais racional de certa maneira. Fazer teologia indutivamente é
considerar a razão livre dos efeitos do pecado.19 Devido à
ênfase na razão humana em estruturar os dados coletados das Escrituras Sagradas
e engendrar um sistema com base em uma metodologia lógica, a teologia ganha
traços de analiticidade em sua construção buscando uma organização toda
coerente e livre de aparentes contradições, paradoxos e antinomias. No entanto,
na teologia existem questões subjetivas como em toda ciência que devem ser
levadas em conta na construção do pensamento teológico. Elementos como a
interpretação dos textos das Escrituras e sua elaboração em proposições muitas
vezes não se coadunam de maneira perfeita. Não se trata de uma ciência exata e
sim de uma ciência mais flexível e que trabalha com questões últimas e
espirituais as quais transcendem a capacidade humana. Além disso, mesmos as
ciências exatas, as biológicas bem como as humanas devem verificar a existência
das pressuposições básicas que norteiam todo o pensamento daquele que trabalha
com estas ciências. Estes pressupostos devem ser analisados e trazidos como
parte do trabalho de maneira explícita. Isso foi deixado de lado nas ciências.
Polanyi afirma:
Temos, então,
mostrado que os processos de conhecimento (e também das ciências) de nenhuma
maneira assemelham-se a uma conquista impessoal de objetividade abstrata. Eles
estão enraizados completamente (desde a seleção de um problema à verificação de
uma descoberta) em atos pessoais de integração tácita. Eles não estão fundados
em operações explicitas de lógica. A pesquisa científica é, portanto, um
exercício dinâmico da imaginação e está enraizada em compromissos e crenças
sobre a natureza das coisas.20
Assim,
a ciência teológica precisa fazer justiça às pressuposições que estão por trás
de si e que norteiam toda sua construção. O que em um método como proposto por
Hodge não teria seu devido espaço.
Outro ponto mais importante é que o objeto de estudo da teologia, a
revelação de Deus no horizonte temporal - as Escrituras Sagradas - é
autoritativa sobre todo raciocínio humano, ou seja, as Escrituras Sagradas não
se submetem a estrutura de raciocínio humana. Não é a construção
lógico-coerente que atribui à teologia sua validade, mas sim quão próximo do
texto bíblico o sistema é construído, fazendo-lhe justiça ao seu respectivo
ensino. Pois não é intenção da teologia ter o mesmo valor e o mesmo caráter das
Escrituras, pois se assim fosse, não seria necessário teologia, apenas se
repetiria a Escritura Sagrada. Além do mais, a teologia não pode almejar ter
este caráter preciso, pois as próprias Escrituras Sagradas não almejam tal.21
Outra concepção sobre a cientificidade da teologia pode ser encontrada em
Bavinck. Ele argumenta que a teologia não pode ser apartada da fé, somente quem
tem fé pode realmente fazer teologia. Bavinck parte do pressuposto que a
“dogmática é o conhecimento que Deus revelou em sua Palavra para sua Igreja
acerca de si mesmo e todas as criaturas que se relacionam com ele.”22
Dessa maneira, nunca pode ser deixado de lado o fato de que este conhecimento
de Deus só pode ser adquirido através da fé. 23 Assim, teologia é a organização
sistêmica desse conhecimento da fé. A Fé é elemento fundamental para se fazer
teologia e, por isso, a dogmática não é a ciência da fé e nem da religião e sim
a ciência sobre Deus. A tarefa do teólogo é pensar os pensamentos de Deus após
ele e investigar sua unidade. Esta é a tarefa a ser feita na confiança de que
Deus falou, em humildade e submissão ao ensino tradicional da Igreja e para
comunicar a mensagem do evangelho ao mundo. Bavinck busca mostrar que Teologia
não é mera especulação, não é uma ciência que qualquer um pode fazer. Ela não é
uma ciência como as outras. Sua diferença reside no fato de que aquele que faz
teologia precisa necessariamente crer que Deus existe e se revelou em sua
Palavra e esta Palavra é a verdade. Teologia não é conhecimento de Deus, pois a
fé leva ao conhecimento de Deus, fé fundamenta-se na relação entre Deus e o
homem. O propósito da teologia é mediar a fé de seu objeto: “Deus em sua viva
autorrevelação. Dogmática não desenvolve doutrinas que nós, então, temos que
aceitar com o nosso intelecto, mas mostra as pessoas como a Palavra de Deus
deve ser proclamada de modo que leve seus ouvintes à fé verdadeira e os eduque
ao um conhecimento interior da fé que corresponde a verdade.”24
Bavinck, então, mostra que teologia não é mera coleta de dados das Escrituras
Sagradas, sua organização e conclusões lógicas. Ele reconhece sua importância
fundamental para o desenvolvimento da vida cristã e para o progresso da Igreja
em sua tarefa de proclamação. Bavinck reconhece que nem a objetividade
científica nem a completa subjetividade são possíveis. Todo conhecimento é
arraigado na fé, e para fé ser real ela deve ter um objeto que é conhecível.
Isso requer uma divina revelação a qual é mais do que cumprimento de desejos
subjetivos. Religião deve ser verdade e prover sua própria trajetória para o
conhecimento e certeza.25
Portanto, a teologia possui um caráter subjetivo e um caráter objetivo
simultaneamente e a fé desempenha um papel fundamental neste processo. Logo, a
busca por uma rigidez no sistema que não leve em conta elementos humanos nesta
construção ou postule algum critério que não seja as Escrituras Sagradas para
apontar para a verdade é ingenuidade. Com esta concepção de teologia Bavinck
abre um novo horizonte para o pensamento teológico.
A teologia, então, não intenciona ser assertiva em todo tempo, mas uma ciência
que contempla outros aspectos da realidade criada e aplica os ensinos propostos
pelas Sagradas Escrituras. Teologia é uma ciência fundamentalmente
multidisciplinar e dinâmica em seu campo de ação, ou seja, teologia procura
aplicar os ensinos das Escrituras Sagradas às demandas de sua época. Dessa
maneira, a concepção de Herman Dooyeweerd e Cornelius Van Til acerca da
Teologia traz alguns insights pertinentes que precisam ser expostos.
Para Dooyeweerd, a fé é
um elemento inerente à criação. No entanto, uma diferença deve ser pontuada: fé
salvífica apenas os eleitos por Deus para salvação possuem, aqueles que
respondem afirmativamente à chamada do evangelho por intermédio da obra do
Espírito Santo. Os outros também possuem fé, mas não no sentido salvífico e por
isso forjam ídolos a partir dos elementos da criação para adorar. É essa fé mal
direcionada a origem das religiões pagãs. O pecado mal direcionou a fé, que o
homem possui, para a criação. Ou seja, fé é um elemento estrutural da criação
divina, o que há é um direcionamento negativo ou positivo. 26 Dooyeweerd argumenta que existe a
tendência religiosa estrutural do eu humano fazendo referência ao sensus divinitatis exposto por Calvino nas Institutas da
Religião Cristã [I.3.I]. Esta fé pode ser apóstata como também devota a Deus,
tudo depende da direção.27
Uma vez que este aspecto estrutural da criação [fé] é confrontado com outro
aspecto da criação [lógica] surge, então, a ciência teológica. Nesta
concepção, Dooyeweerd aponta para a possibilidade de haver uma teologia que não
seja cristã necessariamente. Isso não quer dizer que seja correta. Contudo, uma
vez que a fé é estrutural, as várias manifestações religiosas como um todo,
sejam estas cristãs ou não cristãs, podem ser analisadas e sistematizadas.
Assim, Dooyeweerd aceita a ideia de que haja, por exemplo, uma “teologia
espírita”, o que validará esta teologia é o paradigma pelo qual ela é
construída. Pois somente as Escrituras Sagradas são a revelação de Deus e estão
aptas para ser este paradigma na formação de boa teologia. Do contrário, esta
teologia se mostraria inválida, pois não se baseia na revelação de Deus. De
onde vem tal primazia das Escrituras Sagradas? Esta pergunta muito pertinente
surge e sua resposta é facilmente encontrada. A primazia das Escrituras
Sagradas surge do fato que ela testifica de Jesus Cristo encarnado que é a
revelação de Deus ao homem. Nenhuma outra religião trabalha dessa maneira, pois
tal é exclusividade do cristianismo e das Sagradas Escrituras.
Frente a uma possível objeção a este conceito concernente ao caráter
sobrenatural da fé, Dooyeweerd argumenta que a fé em seu caráter sobrenatural
não pode se originar na experiência humana, mas é exclusivamente o resultado da
operação do Espírito Santo através da pregação da Palavra de Deus. 29Aqui,
encontra-se o papel da teologia para Dooyeweerd, pois ela é responsável por
buscar a compreensão da fé através da Revelação nas Escrituras Sagradas.
Dooyeweerd coloca:
Além disso, a
teologia dogmática não pode ter outro objeto senão a palavra-revelação divina,
a qual contém a doutrina completa da Igreja. A Sagrada Escritura não pode ser
entendida sem a exegese de seus textos. E essa exegese requer o conhecimento
teológico dos textos originais.30
O estudo científico da teologia é de suma importância para compreender a
Revelação divina nas Escrituras Sagradas em sua elaboração nos artigos da fé de
modo a evitar distorções e esclarecer seu sentido.31 Visto que
a fé está sujeita a norma da fé, isto é, as Escrituras Sagradas. 32 A pregação é feita no horizonte
temporal com base nos artigos da fé, utilizando uma linguagem humana
estruturada dentro de uma perspectiva lógica aplicada as demandas de
determinada época e fruto de um depósito histórico da tradição cristã. Assim,
para que não haja equívocos, é necessária uma ciência que estude e esclareça toda
esta dinâmica entre as Escrituras Sagradas, os artigos da fé, a história da
Igreja, a experiência religiosa e a pregação da Palavra. Dessa maneira, para
Dooyeweerd, a teologia é uma ciência do significado da realidade revelada nas
Escrituras. O que, automaticamente, leva à consideração de que se a fé tem
caráter estrutural e está presente em todos os seres humanos, logo todas as
ciências e considerações humanas em certo sentido possuem um elemento
teológico. A teologia, então, ganha uma interação com todas as outras ciências
preocupando-se com a análise destas crenças que se encontram por trás da
elaboração das mesmas.
De forma um pouco diferente, Van Til pensa acerca da teologia. Van Til assume
que o ponto último de referência de toda a criação é o próprio Deus.32
Essa referência pode ser positiva quanto negativa. Davi Charles Gomes cunha o
termo “Teo-Referência” para indicar que Deus é o ponto de referência último de
toda a realidade, com base nas ideias de Van Til. Quando esta Teo-referência é
negativa indica o estado de apostasia do ser humano. Mesmo não crendo em Deus,
o homem crê em algo, coloca sua esperança em algo, faz deste algo seu ídolo de
culto.34 Essa é condição mais básica onde o ser humano se
encontra e é a partir deste ponto que o ser humano inicia sua investigação
científica. Van Til argumenta:
Nós desejamos
conhecer tudo o que Deus deseja que conheçamos. A Bíblia tem muito a dizer
sobre o universo. Mas, isso é ocupação da ciência e da filosofia lidar com esta
revelação. Indiretamente, mesmo a ciência e a filosofia deveriam ser
teológicas. 35
Dessa
forma, para Van Til, Teologia é a ciência que lida com a revelação especial de
Deus nas Escrituras. Ela tenta organizar todo o ensino das Escrituras em um
sistema para expô-lo de maneira adequada evitando, assim, erros e para defender
a integridade da doutrina oriunda das Escrituras. 37
Robert Reymond, em seu livro, The
Justification of Knowledge, elenca resumidamente o pensamento vantiliano
da seguinte forma:
As
insistentes exortações de Van Til são: (1) Não há nenhum fato no universo que
seja não-teísta; (2) Todos os fatos são o que eles são por causa do lugar que
ocupam no plano todo-inclusivo de Deus; (3) O conhecimento do homem só é
possível por causa do conhecimento exaustivo prévio de Deus; (4) O conhecimento
do homem, se verdadeiro, é na verdade um pensar do pensamento de Deus diante
dEle; (5) A não ser que o teísmo cristão seja verdadeiro, o descrente não pode
encontrar significado de nenhum fato e (6) a ilegitimidade da autonomia humana
deve ser desafiada em nome do Cristo auto-autenticável das Escrituras.
A
contribuição de Van Til para o pensamento teológico é com respeito ao método
que ele emprega. Ele defende que no universo criado por Deus não há fatos
brutos, ou seja, neutros. Tudo na criação é criado tendo Deus por referência
última e, por isso, esses fatos são previamente interpretados.38 Dessa maneira, para uma compreensão
adequada de tudo o que está ao redor é necessário um conhecimento
bíblico-teológico, pois todo conhecimento humano é analógico, pois é análogo ao
referencial último. Assim, Van Til afirma que “todo conhecimento analógico pode
ser chamado de conhecimento teológico.”39 Se a teo-referência
for negativa tenderá a colocar o homem como referencial e, disso construir seu
pensamento teórico. Por exemplo, o naturalismo é uma concepção norteadora para
muitas das ciências atuais senão todas, e tem sua referência na realidade
fenomenal e, assim, não transcende para outras questões que não possam ser
averiguadas empiricamente. Uma Teo-referência positiva parte do princípio que
Deus criou todas as coisas e que o que existe, existe por vontade de Deus e é o
que é, pois o próprio Deus atribui o significado de cada coisa desde a criação.
Van Til com este raciocínio pretende mostrar a necessidade da teologia como
ciência responsável pelo significado da realidade, visto ela ocupar-se
diretamente com as Escrituras Sagradas. Ou seja, as coisas antes de ser o que
são, são significado. Deus pré-interpreta os fatos do universo, sendo analógico
o conhecimento humano, o homem re-interpreta o significado destes fatos. Van
Til não está negando as verdades que a ciência já alcançou apesar de serem
feitas contra Deus, pois o homem inevitavelmente “tropeça” nas estruturas da
criação, mas que o pensamento verdadeiro sempre encontra o significado em
última instância em Deus. Nas palavras de Van Til “toda predicação humana é uma
re-interpretação analógica da pré-interpretação de Deus.” 40 Quando o método indutivo é empregado,
reconhece a razão humana como um não cristão geralmente a reconhece, ou seja, a
razão não foi afetada pelo pecado e os efeitos noéticos da queda não teriam
efeito sobre a mente, equiparando-a, então, com a mente de Deus.41
Assim, desconsideraria a enfermidade da razão humana e quão turva ela se
encontra. Essa pressuposição introduzida juntamente com o método indutivo leva
a concepção da autonomia da razão.
Tanto Dooyeweerd quanto Van Til apontam para uma elaboração teológica
científica, no entanto, com uma proposta hermenêutica em sua abordagem. Ambos
os teólogos enfatizam a significação ao invés da metafísica o que não acontece
com muitos outros. A preocupação deles não permanece apenas no nível da
doutrina propriamente ensinada nas Escrituras. Suas propostas contemplam as pressuposições
que estão por de trás da construção de determinada teologia. Eles tentam evitar
que a razão humana ou qualquer outro elemento seja autônomo, pelo contrário,
que todo o pensamento teológico seja levado cativo a Cristo. Assim, a teologia
acaba ganhando novos matizes em sua elaboração e sofisticando-se para evitar
conceituações equivocadas como aquelas que nascem à luz de dualismos. Esse
reconhecimento leva a uma reflexão mais detida acerca de outros elementos
presentes nesse processo de elaboração da teologia.
Portanto, qualquer estudioso que pretenda pensar em questões teológicas precisa
inevitavelmente refletir sobre as colocações que pensadores como esses citados
fizeram a fim de produzir uma teologia sadia em conformidade com as Escrituras
Sagradas e auto-avaliando os pressupostos de seu pensamento. Nenhuma ciência
tem autonomia a questão é: a que cada ciência está atrelada ou mais
especificamente qual real fundamento sobre o qual cada teologia tem sido feita?
_________
1 Candidato ao Sagrado Ministério
da Igreja Presbiteriana do Brasil. Bacharel em Teologia pelo Seminário
Presbiteriano Rev. 2PLANTINGA, A., Religion and Science,
Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2007. Disponível em: http://plato.stanford.edu/entries/religion-science/#ConCon acessado em: 21 de Janeiro de 2012 às
10:10.
3PLANTINGA, A., Religion and Science, Stanford Encyclopedia of Philosophy,
2007. Disponível em:http://plato.stanford.edu/entries/religion-science/#ConCon acessado em: 21 de Janeiro de 2012 às
10:10.
4KELLER, A.,
Teoria Geral do Conhecimento, São Paulo: Loyola, 2006. P. 52.
5KELLER, A., Teoria Geral do Conhecimento, São Paulo:
Loyola, 2006. P. 56.
6KELLER, A.,
Teoria Geral do Conhecimento, São Paulo: Loyola, 2006. P. 56.
7HODGE, C., Teologia
Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001. P. 8.
8HODGE, C., Teologia
Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001. P. 8.
9HODGE, C., Teologia
Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001. P. 1.
10HODGE, C., Teologia
Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001. P. 9.
11ERICKSON, M., Introdução
à Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1997. P. 18.
12ERICKSON, M., Introdução
à Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1997. P. 18.
13ERICKSON, M., Introdução
à Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1997. P. 18.
14Ver: ERICKSON, M., Introdução
à Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1997. P. 139.
15Ver: ERICKSON, M., Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo:
Vida Nova, 1997. P. 306-308.
16Esta suposição é feita com base nos Escritos de Barth e suas
influências oriundas da filosofia existencial de Kierkegaard. 17 Pode ser visto algo assim em
CLARK, G.H., Em Defesa da
Teologia, Brasília: Editora Monergismo, 2010. P. 53.
18A questão da lógica será tratada em um momento oportuno a fim de
dedicar espaço suficiente a uma discussão tão importante. Por enquanto, nota-se
a limitação desta ciência quando utilizada na elaboração teológica. Isso não
implica na desconsideração dela como uma ferramenta apropriada e de grande
utilidade na teologia. No entanto, há a necessidade de se localizá-la de modo
que possa cumprir seu papel sem ser absolutizada ou mesmo descartada. A própria
filosofia e a ciência de maneira geral já identificaram sua limitação e, assim,
verifica-se o surgimento de outros sistemas lógicos não aristotélicos.
19ERICKSON, M., Introdução
à Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1997. P. 18.
20Ver. VAN TIL, C., An Introduction
to Systematic Theology, Phillipsburg :
P&RP Pub, 1974. P. 21. Este colocação será melhor trabalhada no
pensamento de Van Til.
21POLANYI, M., & PROSCH, H., Meaning, Chicago: University of Chicago Press,
1975. P. 63.
22FRAME, J., A
Doutrina do Conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010. P.198.
23BAVINCK, H., Reformed
Dogmatics – Prolegomena, Vol. 1, Grand
Rapids : Baker Academic Press, 2003. P. 25.
24BAVINCK, H., Reformed
Dogmatics – Prolegomena, Vol. 1, Grand
Rapids : Baker Academic Press, 2003. P. 25.
25BAVINCK, H., Reformed
Dogmatics – Prolegomena, Vol. 1, Grand
Rapids : Baker Academic Press, 2003. P. 59.
26Cf. DOOYEWEERD, H., No
Crepúsculo do Pensamento Ocidental –
Estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico, São Paulo: Hagnos,
2010. P. 201.
27DOOYEWEERD, H., No
Crepúsculo do Pensamento Ocidental –
Estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico, São Paulo: Hagnos,
2010. P. 83.
28Dooyeweerd elenca quinze aspectos da criação irreduzíveis que
compõe a realidade criada. A fé é um destes aspectos sendo o mais alto de todos
em uma escala de complexidade. Quando qualquer um destes aspectos é contraposto
ao aspecto da lógica forma-se então uma ciência. Por exemplo, quando o aspecto
biótico da criação é contraposto com o aspecto lógico, logo, se obtém a ciência
da biologia ou quando o aspecto psíquico da criação é contraposto ao aspecto
lógico se obtém a psicologia.
29DOOYEWEERD, H., No
Crepúsculo do Pensamento Ocidental –
Estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico, São Paulo: Hagnos,
2010. P. 197.
30DOOYEWEERD, H., No
Crepúsculo do Pensamento Ocidental –
Estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico, São Paulo: Hagnos,
2010. P. 197.
31DOOYEWEERD, H., No
Crepúsculo do Pensamento Ocidental –
Estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico, São Paulo: Hagnos,
2010. P. 213. Nota 185.
32OLIVEIRA, F. A., Uma
Introdução ao Pensamento de Herman Dooyeweerd, São Paulo: CPAJ, 2011. P.
96. Apostila de curso ministrado. Material não publicado.
33VAN TIL, C., An
Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg: P&RP Pub, 1974. P.
12.
34GOMES, D. C., A
Metapsicologia Vantiliana: Uma
incursão preliminar. In: Fides Reformata XI:1 (2006), P. 116, nota 4.
35VAN TIL, C., An Introduction to Systematic
Theology, Phillipsburg: P&RP Pub, 1974. P. 1.
36VAN TIL, C., An
Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg :
P&RP Pub, 1974. P. 4-7. Passim.
37REYMOND, R. L., The
Justification of Knowledge, An Introductory Study in Christian Apologetic
Methodology, Phillipsburg :
P&RP Pub, 1998. P. 70.
38VAN TIL, C., An
Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg :
P&RP Pub, 1974. P. 15. Passim.
39VAN TIL, C., An
Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg :
P&RP Pub, 1974. P. 14
40VAN TIL, C., An
Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg :
P&RP Pub, 1974. P. 171.
41VAN TIL, C., An
Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg :
P&RP Pub, 1974. P. 21
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