quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Bíblia & Ciência estrita

Espero não ser mal compreendido com o que escrevo pela comunidade de cristãos que como eu, têm fé sincera em Deus e em sua Palavra. Sou um homem de fé, sou cristão há mais de duas décadas, minha primeira formação é Teologia e, portanto, falo a partir do meio onde vivo e partilho as minhas convicções.

Durante os séculos que chamamos de idade medieval, que certamente se encerrou com o advento da Reforma Protestante, a Igreja Católica detinha o controle das produções científicas e artísticas do mundo que governava. Politicamente e espiritualmente possuía o destino das vidas de milhões de pessoas no mundo de então. Era um poder que poucos desejariam desafiar.

Neste período, mesmo que equivocadamente tentando proteger a fé em Deus (isto por parte de pessoas sinceras que criam de fato nisso, sem mencionar os oportunistas e profanos), essa instituição declarava que as Escrituras era um compêndio não somente de textos revelacionais sobre Deus e seu Cristo, mas também era uma obra de cunho científico, ou seja, adotavam um literalismo bíblico mesmo em questões de ciências.

Ainda hoje esse literalismo bíblico em questões científicas sobrevive e têm adeptos mesmo no meio Protestante e evangélico. Mas a Bíblia não é um livro de assuntos científicos. Mesmo crendo que de fato em suas poucas declarações de ordem científicas ela seja verdadeira, a realidade é que ela se interessa por assuntos como a revelação de Deus, sua relação com o homem e Israel, o conhecimento de Jesus Cristo e a prática da vida piedosa.

Nestes últimos dias tenho lido alguns textos interessantes sobre Calvino e me ative o quanto seus escritos são importantes, mas poucos conhecidos do povo em geral e também dos cristãos atuais. Impressiona-me a sua Teoria da Acomodação, que ele descrevia como um forma de libertar a Bíblia do literalismo da época e para libertar as ciências dando a ela curso livre na busca pela descoberta sobre os detalhes da criação.

Sobre esse aspecto particular apresento algumas porções de textos e frases de Calvino e de outros cientistas que, como ele, tinham uma percepção mais acurada da relação entre a Bíblia e a ciência que nos falta hoje. João Calvino disse:
O ponto principal das Escrituras é trazer-nos a um conhecimento de Jesus Cristo... As Escrituras nos proveem com um espetáculo, através do qual nós podemos ver o mundo como a criação de Deus e sua autoexpressão; elas jamais pretenderam prover-nos com um repositório infalível de informações astronômicas e médicas.

Alister McGrath, comentando a teoria da acomodação de Calvino a resume assim:
Deus, ao se revelar a nós, acomodou-se aos nossos níveis de entendimento e às nossas preferências naturais por meios ilustrativos de compreendê-lo. Deus se revela, não como ele é em si mesmo, mas em formas adaptadas à nossa capacidade humana.

O famoso astrônomo Phillips van Lansbergen (1562-2632), comentando as Escrituras escreveu:
...segundo a situação real, mas segundo as aparências...a Escritura foi-nos outorgada por inspiração de Deus, e deve ser usada para doutrina, exprobração, correção, e para o exercício da probidade, mas não é própria para o ensino da geometria e da astronomia.

Johannes Kepler também escreveu:
As Sagradas Escrituras falam sobre coisas comuns (no ensino daquilo para o qual elas não foram instituídas) a criaturas humanas, numa maneira humana, para que possam ser compreendidas pela humanidade; elas usam o que geralmente é reconhecido pelas pessoas, a fim de fazê-las entender outras coisas, mais elevadas e divinas[1]

O pensamento de Calvino encontrou reflexo até nos escritos de Isaac Newton (1643-1727) e de muitos cientistas cristãos de sua época e posterior. Por isso minha tendência é a de concordar com esses homens que não somente fizeram história com sua vida, estudos e escritos, mas mudaram a própria História da ciência e do mundo Ocidental.

© Carlos Carvalho



[1] Todas essas citações retirei de um excelente artigo de Wilson Porte Jr. no site da revista Teologia Brasileira. No artigo há todas as referências bibliográficas das declarações. Disponível em: http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=350

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