quinta-feira, 19 de dezembro de 2013


Deus e o mal – uma outra história

É sabido que a presença do mal no mundo ocupa lugar de destaque nas questões da existência de Deus ou de sua negação. Isso já é lugar comum e assunto chato do ponto de vista da redundância de seu ciclo. Também sabemos que os ateístas e alguns evolucionistas põem esse argumento como o mote central de suas argumentações contra Deus ou a fé.

Asseverações como: “se Deus existe e é bom, como pode o mal existir”, e todas as outras frases dessa linha de pensamento, ou “Deus criou o mundo, criou o homem, portanto, Deus criou o mal e é mal por causa disso”, e todo o blá, blá, blá que vem após isso. Gostaria de me ater a este segundo ponto de discussão, embora não poderei ser tão longo em meus argumentos.

Se “Deus criou o mundo, criou o homem, o homem sendo mal, não pode ser culpado de seus atos porque Deus criou mal”, pode parecer alguma coisa racional, mas não é eficiente no resultado. Vamos partir do princípio condutor das declarações: a concepção judaico-cristã da vida e do mundo. Nela, de fato, Deus criou o mundo, criou o homem, mas o homem se tornou mal pelas escolhas que fez.

Isso, no máximo, significa (para não ser acusado de fundamentalista) que Deus é o autor secundário do mal por ter criado o homem e não o causador do mal no próprio homem. Isto nos leva à outra afirmação, a que Deus é responsável em segundo plano pelas ações más dos homens, ao menos em segunda instância, novamente por causa da criação. Mas isso não resolve o problema total.

Se somente Deus fosse o “culpado” pelo mal no mundo, os que cometem os assassinatos, os estupros, os roubos, a corrupção, as guerras, todas as formas de violências, os abusos infantis, o racismo, os crimes religiosos, os enganos, as trapaças, as mentiras e a lista é quase interminável, jamais seriam responsabilizados pelos seus crimes e erros. No máximo teríamos uma resposta evolutiva como a da seleção natural, que impõe essa “naturalidade” criminosa e pecaminosa no homem.

Todavia, o fato mais claro em qualquer sociedade humana, antiga ou nova, é que os homens são responsáveis pelos seus erros e crimes, não imputando a qualquer divindade a culpa dos mesmos. Não se aceita em tribunal a defesa de que “uma voz”, ou “um espírito”, ou “um deus” me disse para cometer tais atos. Este indivíduo será considerado doente mental, porém cumprirá a sentença dos crimes em local adequado para pessoas mentalmente afetadas.

Outra coisa deixada de lado na matemática filosófica ateísta nos argumentos iniciais é o caso do livre arbítrio. Alguns pensadores fazem um esforço hercúleo para eliminar da equação do mal o livre arbítrio ou simplesmente o poder de decisão pessoal dos seres humanos. Se o livre arbítrio está fora da equação, mais uma vez voltamos à seleção natural que por si só criou em nós as induções imperceptíveis de nossas escolhas no longo processo evolutivo. Mais uma maneira de simplificar o problema, sem dar qualquer resultado.

Creio pessoalmente que Deus assumiu a parte da culpa pelo mal que o livre arbítrio causou na humanidade (assevero que isso é algo pessoal). Ele fez isso de algumas maneiras na História. No início procurou se relacionar com os homens fora de uma base moral elevada (vemos isso por todo o livro do Gênesis), depois gerou a Lei para o povo hebreu, posteriormente enviou os profetas para corrigirem o caminho dos desviantes e, por fim, enviou seu Filho para morrer em lugar de todos os que cressem nele a fim de resgatar o homem ao seu estado original a ponto de o mal não mais afetar as suas decisões.

Deus fez a sua parte na questão do mal e assumiu o seu nível de responsabilidade nisso, mas e o homem? O que vemos o ser humano fazer até hoje é apenas reclamar de Deus, culpá-lo pelos seus próprios erros e ainda por cima, declarar que Ele não existe por causa do mal que prolifera no mundo. O homem faz até hoje o que Adão e Eva fizeram quando foram flagrados no Éden: culpar o outro, que ao final, é também culpa de Deus. “Deus nos criou, nos colocou no jardim, permitiu a tentação e nós caímos. De quem é a culpa? Em última instância, Dele!”

Essa é a mais antiga desculpa que gente irresponsável dá quando confrontada com seus erros e crimes: “Não é culpa minha!”. Mas há uma triste notícia para os culpados: o mal é culpa do homem. Deus já cumpriu sua parte na equação, resta somente o homem cumprir a dele e deixar de ser inconsequente assumindo os próprios erros e crimes, deixando de culpar a Deus, sua existência ou não ou a seleção natural.

Carlos Carvalho


Nenhum comentário:

Postar um comentário