sexta-feira, 1 de maio de 2015

AS IMPERFEIÇÕES DO REGISTRO FÓSSIL



AS IMPERFEIÇÕES DO REGISTRO FÓSSIL
Raúl Esperante

Darwin e Wallace contribuíram para a aceitação da teoria da evolução pela seleção natural em meados do século XIX baseando sua argumentação principalmente em exemplos específicos tirados da fauna e flora, da ecologia de alguns ecossistemas que eles investigaram, e do comportamento animal observado nesses ecossistemas. No livro “A Origem das Espécies”, Darwin (1859) só dedica dois dos quinze capítulos do livro para falar do registro fóssil e sua relevância no marco da nova teoria que ele estava propondo. O registro fóssil era um problema real para uma teoria que tratava de estabelecer que as espécies têm surgido através de lentas e graduais variações cumulativas ao longo de milhares de anos de vida sobre a Terra. Se isto fosse assim, deveríamos poder observar essas variações nos fósseis também.

Em meados do século XIX já se conhecia uma considerável quantidade de registro fóssil presente nas rochas sedimentares. Um número considerável de fósseis havia sido descoberto em muitos lugares (especialmente Europa) e uns poucos cientistas, a maioria dos quais eram amadores, haviam se dedicado ou se dedicavam ao estudo destas formas antigas de vida. As exibições e acervos dos mais importantes museus da Europa apresentavam já um significativo número de rochas, que mostravam uma ampla diversidade de organismos do passado, os quais representavam a fauna e a flora marinha e terrestre das diferentes épocas geológicas aceitas então. Apesar desta riqueza de achados, os fósseis com traços evolutivos intermediários (ou de transição) eram virtualmente inexistentes, o que era nas palavras de Darwin, “a objeção mais grave que se tem apresentado contra a teoria”.

Darwin utilizou uma dupla argumentação para contornar o problema. Por um lado, era óbvio que se tinham escavado poucos lugares, e que muito ficava por descobrir (Darwin apontou como mesquinhas as coleções paleontológicas dos museus). O crescente número de estudos, especialmente em locais onde não tinham sido realizadas observações detalhadas, proporcionaria as evidências necessárias para confirmar a sua teoria. Naquela época, “Tão somente uma pequena parte da superfície da Terra havia sido explorada geologicamente, e em nenhum lugar com o cuidado suficiente.” Por outro lado, Darwin alegava que o registro geológico era extremamente imperfeito e incompleto.

Nem todos os organismos têm a probabilidade de converter-se em fósseis, devido a não terem partes duras (conchas, ossos, etc.). “Nenhum organismo completamente mole pode conservar-se; as conchas e os ossos se decompõem e desaparecem quando ficam no fundo do mar, onde não se acumula sedimento”, detalhava o autor. Apesar disto ter sido demonstrado não ser estritamente verdadeiro, é certo, sim, que o registro fóssil está salpicado daqueles organismos que possuem partes duras e que viveram (ou morreram) em lugares onde houve abundante acúmulo de sedimentos (Benton et. al. 2000).

Desde a publicação do livro de Darwin numerosos estudos têm contribuído para reafirmar a validade do registro fóssil como suficientemente completo e adequado para o estudo das comunidades antigas (Benton et. al. 2000, Donovan 2003, Foote and Raup 1996, Foote and Sepkoski 1999, Paul 1998). O estudo mais recente foi o levado a cabo por Donovan (2003), acerca dos ouriços do Mar das Antilhas em sedimentos do Quaternário (Pleistoceno e Recente), onde se tem encontrado uma grande correspondência entre os ouriços equinóides modernos e aqueles do registro fóssil do Pleistoceno. Em outras palavras, existe um elevado grau de semelhança entre os ouriços fósseis do Pleistoceno das ilhas do Caribe e os que vivem na costa das mesmas ilhas. Isto indica que o registro fóssil é adequado para extrair conclusões confiáveis acerca das comunidades antigas.

Vários estudos cladísticos e estatísticos sugerem que o registro fóssil não diminui em qualidade com o tempo, apesar de se supor que a atividade geológica destrói as rochas antigas e os fósseis que elas contêm. (Benton et el. 200). Quer dizer que o registro fóssil parece conter uma representação confiável do que realmente existia no ecossistema determinado, com a importante exceção dos organismos de corpo mole. A respeito deste ponto é importante distinguir entre “ser incompleto” e “ser adequado” (Benton et. Al. 2000). O registro fóssil é incompleto, especialmente em suas camadas inferiores, porém pode ser considerado como adequado para o estudo das formas de vida do passado.

Qual conclusão mais lógica que o registro fóssil nos fornece depois desta leitura? O registro fóssil é real, consistente com realidades do passado que ela apresenta, serve como fonte de estudo do ecossistema que ali existia, mas nada nos diz sobre o maior problema do evolucionismo que é a prova cabal das espécies de transição. Por mais fervoroso defensor da evolução que um cientista sério possa ser, ele jamais contou nem ainda pode contar com a demonstração concreta das evidências que sua teoria propõe. Isso põe um obstáculo intransponível até esta data para a teoria da evolução.


C. K. Carvalho
Pesquisador autônomo


REFERÊNCIAS

Benton M. J., Wills M.A., Hitchin R. 2000. Quality of the Fossil Record Through Time. Nature 403:534-537.
Donovan S. K. 2003. Completeness of a fossil record: the Pleistocene echinoids of the Antilles. Lethaia 36:1-7.
Foote M. Raup D. M. 1996. Fossil Preservation and the stratigraphic ranges of taxa. Paleobiology 22:121-140.
Foote M., Sepkoski J.J. 1999. Absolute measure of the completeness of the fossil record. Nature 398:415-417.
Paul C. R. C. 1998. Adequacy, completeness and the fossil record. In Paul C.R.C., editor, The Adequacy of the Fossil Record. N.Y.: John Wiley and Sons, p. 1-22.


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