AS IMPERFEIÇÕES DO REGISTRO FÓSSIL
Raúl Esperante
Darwin e Wallace contribuíram
para a aceitação da teoria da evolução pela seleção natural em meados do século
XIX baseando sua argumentação principalmente em exemplos específicos tirados da
fauna e flora, da ecologia de alguns ecossistemas que eles investigaram, e do
comportamento animal observado nesses ecossistemas. No livro “A Origem das
Espécies”, Darwin (1859) só dedica dois dos quinze capítulos do livro para
falar do registro fóssil e sua relevância no marco da nova teoria que ele
estava propondo. O registro fóssil era um problema real para uma teoria que
tratava de estabelecer que as espécies têm surgido através de lentas e graduais
variações cumulativas ao longo de milhares de anos de vida sobre a Terra. Se
isto fosse assim, deveríamos poder observar essas variações nos fósseis também.
Em meados do século XIX já se
conhecia uma considerável quantidade de registro fóssil presente nas rochas
sedimentares. Um número considerável de fósseis havia sido descoberto em muitos
lugares (especialmente Europa) e uns poucos cientistas, a maioria dos quais
eram amadores, haviam se dedicado ou se dedicavam ao estudo destas formas
antigas de vida. As exibições e acervos dos mais importantes museus da Europa
apresentavam já um significativo número de rochas, que mostravam uma ampla
diversidade de organismos do passado, os quais representavam a fauna e a flora
marinha e terrestre das diferentes épocas geológicas aceitas então. Apesar
desta riqueza de achados, os fósseis com traços evolutivos intermediários (ou
de transição) eram virtualmente inexistentes, o que era nas palavras de Darwin,
“a objeção mais grave que se tem apresentado contra a teoria”.
Darwin utilizou uma dupla
argumentação para contornar o problema. Por um lado, era óbvio que se tinham
escavado poucos lugares, e que muito ficava por descobrir (Darwin apontou como
mesquinhas as coleções paleontológicas dos museus). O crescente número de
estudos, especialmente em locais onde não tinham sido realizadas observações
detalhadas, proporcionaria as evidências necessárias para confirmar a sua
teoria. Naquela época, “Tão somente uma pequena parte da superfície da Terra
havia sido explorada geologicamente, e em nenhum lugar com o cuidado
suficiente.” Por outro lado, Darwin alegava que o registro geológico era
extremamente imperfeito e incompleto.
Nem todos os organismos têm a
probabilidade de converter-se em fósseis, devido a não terem partes duras
(conchas, ossos, etc.). “Nenhum organismo completamente mole pode conservar-se;
as conchas e os ossos se decompõem e desaparecem quando ficam no fundo do mar,
onde não se acumula sedimento”, detalhava o autor. Apesar disto ter sido
demonstrado não ser estritamente verdadeiro, é certo, sim, que o registro
fóssil está salpicado daqueles organismos que possuem partes duras e que
viveram (ou morreram) em lugares onde houve abundante acúmulo de sedimentos
(Benton et. al. 2000).
Desde a publicação do livro de
Darwin numerosos estudos têm contribuído para reafirmar a validade do registro
fóssil como suficientemente completo e adequado para o estudo das comunidades
antigas (Benton et. al. 2000, Donovan 2003, Foote and Raup 1996, Foote and
Sepkoski 1999, Paul 1998). O estudo mais recente foi o levado a cabo por
Donovan (2003), acerca dos ouriços do Mar das Antilhas em sedimentos do
Quaternário (Pleistoceno e Recente), onde se tem encontrado uma grande
correspondência entre os ouriços equinóides modernos e aqueles do registro
fóssil do Pleistoceno. Em outras palavras, existe um elevado grau de semelhança
entre os ouriços fósseis do Pleistoceno das ilhas do Caribe e os que vivem na
costa das mesmas ilhas. Isto indica que o registro fóssil é adequado para
extrair conclusões confiáveis acerca das comunidades antigas.
Vários estudos cladísticos e
estatísticos sugerem que o registro fóssil não diminui em qualidade com o
tempo, apesar de se supor que a atividade geológica destrói as rochas antigas e
os fósseis que elas contêm. (Benton et el. 200). Quer dizer que o registro
fóssil parece conter uma representação confiável do que realmente existia no
ecossistema determinado, com a importante exceção dos organismos de corpo mole.
A respeito deste ponto é importante distinguir entre “ser incompleto” e “ser
adequado” (Benton et. Al. 2000). O registro fóssil é incompleto, especialmente
em suas camadas inferiores, porém pode ser considerado como adequado para o
estudo das formas de vida do passado.
Qual conclusão mais lógica que o
registro fóssil nos fornece depois desta leitura? O registro fóssil é real,
consistente com realidades do passado que ela apresenta, serve como fonte de
estudo do ecossistema que ali existia, mas nada nos diz sobre o maior problema
do evolucionismo que é a prova cabal das espécies de transição. Por mais
fervoroso defensor da evolução que um cientista sério possa ser, ele jamais
contou nem ainda pode contar com a demonstração concreta das evidências que sua
teoria propõe. Isso põe um obstáculo intransponível até esta data para a teoria
da evolução.
C. K. Carvalho
Pesquisador autônomo
REFERÊNCIAS
Benton M.
J., Wills M.A., Hitchin R. 2000. Quality of the Fossil Record Through Time.
Nature 403:534-537.
Donovan S.
K. 2003. Completeness of a fossil record: the Pleistocene echinoids of the
Antilles. Lethaia 36:1-7.
Foote M.
Raup D. M. 1996. Fossil Preservation and the stratigraphic ranges of taxa.
Paleobiology 22:121-140.
Foote M.,
Sepkoski J.J. 1999. Absolute measure of the completeness of the fossil record.
Nature 398:415-417.
Paul C. R.
C. 1998. Adequacy, completeness and the fossil record. In Paul C.R.C., editor,
The Adequacy of the Fossil Record. N.Y.: John Wiley and Sons, p. 1-22.
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