O conceito científico e
sua relação com a fé em Leon Tolstoi
Liev ou Leon
Tolstoi (1828-1910), um dos grandes mestres da literatura russa do século XIX, crítico
da Igreja Ortodoxa e do Estado, mas um homem de profunda fé cristã e amante das
Escrituras bíblicas escreveu “O reino de Deus está em vós”, lançado e traduzido
em nosso idioma também pela Editora Rosa dos Ventos em 1994. No quarto
capítulo, ele aborda a questão do cristianismo mal compreendido pelos
cientistas, deste, retirei alguns pensamentos que reproduzo aqui.
Para Tolstoi,
um dos supostos conceitos acerca do cristianismo que impede a compreensão do
sentido verdadeiro dele é o conceito científico.
Para ele, a
religião não é, como acredita a ciência, um fenômeno que em tempo idos
acompanhou o desenvolvimento da humanidade e que não mais se renovou, mas sim um
fenômeno próprio da vida humana e ainda hoje absolutamente natural à humanidade
como em qualquer outra época.
Ele disse que
a essência da religião, portanto da fé, está na faculdade que têm os homens de
profetizar e indicar o caminho que deve seguir a humanidade, numa direção
diferente da seguida no passado e da qual resulta uma ação absolutamente
diferente da humanidade.
Para esse
mestre da literatura, existem apenas três conceitos da vida: a vida pessoal ou
animal, centrada no próprio homem, a vida social ou pagã, centrada na família,
na tribo, na raça ou no Estado, e a vida universal ou divina, que se centra no
amor e na adoração do princípio de tudo: Deus.
Tolstoi disse
que o entendimento dos doutores acerca dos princípios de Cristo é como um homem
que, não tendo qualquer noção do que seja um círculo, afirmasse ser exagero
dizer que todos os pontos da circunferência são igualmente distantes do centro.
Para Tolstoi,
é impossível julgar uma doutrina sem haver penetrado no conceito do qual ela
deriva. E, mais ainda, é impossível julgar uma tese de ordem superior
colocando-se num ponto de vista inferior: julgar o alto da torre quando estamos
nas fundações.
A posse de um
método de investigação, supostamente infalível, constitui o principal obstáculo
à compreensão da doutrina cristã por parte dos ateus e dos pretensos doutores,
cuja opinião norteia a grande maioria dos incrédulos, crédulos e instruídos. E
é dessa suposta interpretação que resultam todos os erros dos doutores sobre a
doutrina cristã e, especialmente, dos estranhos mal entendidos, que mais do que
tudo, impedem sua compreensão.
Tolstoi
assevera que, crer naturalmente que a vida do homem seguirá a direção indicada
por Cristo, é como acreditar que um barqueiro, para atravessar um rio veloz,
remando quase que diretamente contra a corrente, navegaria naquela direção.
Para ele,
baixar o nível de exigência dos mandamentos de Cristo para uma exigência que é
possível seu cumprimento sem levar em conta toda a vida da pessoa é destruir o
próprio ideal de perfeição. Uma perfeição possível perderia qualquer influência
sobre a alma humana. Só o ideal de absoluta e infinita perfeição nos seduz e
nos atrai. A doutrina de Cristo tem grande poder exatamente porque requer
perfeição absoluta, ou seja, uma identificação total com a vontade de Deus. A
vida segundo a doutrina cristã é o caminho para a perfeição divina. O
cumprimento dessa doutrina está no movimento do eu em direção a Deus.
Tolstoi
argumenta que a definição de amor a Deus e amor à humanidade não podem ser
iguais. Para ele, a doutrina do amor à humanidade está baseada no conceito
social da vida. Ele disse que o amor pode ser dado ou transferido palpavelmente
em relação a si próprio, à família, à tribo, ao Estado e etc., mas o homem que
ama a humanidade ama o quê? A humanidade como conceito concreto não existe e
não pode existir.
O que é
humanidade? Quais são os seus limites? Onde ela termina? Onde começa? São
perguntas bem difíceis de responder exatamente e podemos incluir muitas outras
questões nisso. Para Tolstoi, a humanidade é uma hipocrisia; não se pode
amá-la. Esse amor não pode existir e não tem razão de ser.
A doutrina
cristã reconduz o homem à consciência primitiva do seu eu, não de seu eu
animal, mas de seu eu divino, da centelha divina, de seu eu filho de Deus,
porque o amor cristão resulta unicamente do conceito cristão da vida, conceito
segundo o qual o objetivo essencial da vida é amar e servir a Deus.
Ele finaliza
dizendo que a opinião errônea dos doutores, que o sobrenatural é a essência do
cristianismo, e que sua doutrina é impraticável, é também uma das causas pelas
quais os homens de nosso tempo não compreendem o cristianismo. É, portanto, uma
questão de mal entendidos, de raciocínios falsos e da perspectiva equivocada do
conceito científico.
Carlos Carvalho
O reino de Deus está em vós. Leon Tolstoi. Ed. Rosa dos Ventos. 2ª.
ed.: São Paulo – SP, 1994, capítulo IV. Versão digital.
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