quarta-feira, 3 de abril de 2013



Pecados Secretos ou de Foro Íntimo que criam Maldições

Deuteronômio 27.11-26

Antes de entrar no texto propriamente dito, preciso dar algumas explicações para que eu não seja mal compreendido em minhas palavras. Este é um texto que tem destinatário certo (Israel ante a terra de Canaã), um período detectável (pouco antes da morte de Moisés cerca de 1405 a.C.) e um contexto histórico definido (após quarenta anos de peregrinação no deserto). Com isso quero dizer que reconheço a historicidade e as especificações do que o texto fala e para quem fala.
Mas outra coisa é: para além do texto, há uma revelação de intenções divinas, uma revelação de princípios (que chamo de leis imutáveis de Deus) e uma demonstração da eterna ética e moral do Senhor em relação aos pecados dos homens e com a execução dos castigos ou punições merecidas por esses atos, que em qualquer sociedade, “moderna” ou “primitiva”, são normas essenciais de conduta e de limites impostos para o bem comum.
Também se faz necessário traduzir para os nossos dias a palavra “maldição” ou “maldito” que no texto aparece. O “maldito” é o adjetivo daquele que é alvo de uma maldição. Não sou adepto dos ensinos freqüentes sobre maldições, mas é preciso dizer que a quantidade de palavras tanto no Novo como no Velho Testamento para “maldição” e suas respectivas variantes é enorme. Isso não se dá meramente, há um objetivo nisto.
Para resumir o que quero dizer, vou simplificar o significado. Toda a forma de maldição que aparece principalmente no Antigo Testamento nada mais é do que uma conseqüência pelos atos vis, pecaminosos ou criminais que alguém pode cometer contra Deus, contra sua Lei ou contra o próximo. Uma maldição é, portanto, uma execução efetiva da justiça esperada pelos erros graves cometidos. Quando lemos textos como o de nossa referência, percebemos claramente que a maldição é simplesmente a punição por alguma infração grave prescrita na Lei de Deus para o povo.
Tornar-se “maldito” ou estar debaixo de uma “maldição” é tornar-se passivo de ser punido pelas leis prescritas, pela justiça de Deus ou pela própria sociedade por atos malignos cometidos contra outrem ou contra Deus. Assim fica mais fácil de compreender a ética por trás das maldições, não meramente como algo subjetivo ou apenas sobrenatural, mas de caráter físico, natural e efetivo. Não há, então, maldições ou punições sem haver cometido alguma infração, pecado grave ou crime. Aqui entra o nosso texto.
Moisés descreve doze tipos de comportamentos que são passivos de punição. Porque esses tipos foram escolhidos e não outros? Pelo simples fato desses descritos serem pecados ou crimes cometidos ocultamente e de difícil flagrante. Chamamo-los de pecados ocultos ou de foro íntimo, mas que não poderiam deixar de ser punidos. São situações que, se não houver um denunciante, dificilmente saberíamos do acontecido. Perceba que desde a antiguidade bíblica, crimes dolosos ocultos e intenções malignas de violência e afins eram inaceitáveis.
Esses doze comportamentos inapropriados e desprezíveis podem ser fundidos em seis blocos:
Bloco 1 – Pecados da Idolatria (v.15) – a idolatria tem muitos “filhos” e se apresenta de diversas maneiras criativas. Não me estenderei, apenas digo o grande objetivo da idolatria: desviar o olhar do ser humano da pessoa de Deus. Fazer o ser humano olhar para o lado, para outra coisa, para as criaturas ao invés de direcionar sua vida para Deus somente. Idolatria é desvio de foco, desvio de propósito, desvio da honra e da adoração que a Deus apenas pertence.
Bloco 2 – Pecados familiares (v.16) – esta é a base fundamental de toda a sociedade, a família padrão. Aqui está a base e o fundamento de todos os problemas sociais mais graves que enfrentamos hoje: a destruição das relações de família. Filhos que desprezam, abandonam e violentam seus pais. Pais que abandonam, violentam e abusam de seus filhos. Alguns imaturos espiritualmente ainda acreditam que mudar o modelo base de família irá resolver esses problemas. Coitados!
Bloco 3 – Pecados sociais (v.17 ao 19) -  interessantes estes. Mudar “os marcos” do seu próximo era roubar o direito que ele tinha ao seu pedaço de chão, ou seja, remover os limites que o outro tinha demarcado como sua propriedade. Fazer o “cego errar seu caminho” era cometer crime contra pessoas incapazes e deficientes. “Perverter” o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva era crime contra os direitos humanos.
Bloco 4 – Pecados sexuais (v.20 ao 23) – esses eram bem definidos. Ter relações sexuais com a madrasta, com animais, com irmãos (incesto) ou com sogros também era passivo de punição. Por quê? Por causa da quebra da confiança e da valorização da pessoa humana. Sexo com animais tornaria o homem igual em instintos e irracionalidade e os outros era a destruição da confiança e proteção familiar esperada em qualquer contexto de família.
Bloco 5 – Pecados de violência (v.24 e 25) – esses parece que são os únicos que em nossos dias ganham alguma evidência de preocupação e ação de nossa parte enquanto sociedade. Provocar ferimentos em quem quer que seja sem que ninguém saiba é crime grave. Aqui podemos incluir até a pedofilia, os abusos aos idosos, às crianças e a violência matrimonial. Contratar ou aceitar dinheiro para matar o outro é igualmente inaceitável e punível com rigor e efetividade.
Bloco 6 – Pecados de desobediência (v.26) – quando uma pessoa não “confirma” (não aceita ou rejeita) deliberadamente os termos da justiça, da ética, da moral e das leis divinas, ela também, da mesma maneira e sem temor, desrespeitará qualquer padrão de comportamento ético e moral que exista na sociedade onde vive. Não precisamos ir longe nas descrições. É necessário somente olhar a mudança de comportamento das pessoas de hoje e como se alterou para pior, não para melhor.
Encerro fazendo uma pequena consideração. Teólogos, Mestres e Líderes cristãos podem fazer uma grande objeção ao que escrevi dizendo que em Cristo essas “maldições” não fazem mais efeito sobre nós porque “Ele nos resgatou da maldição da lei” (Gálatas 3.13), mas quero ainda nos fazer pensar de duas formas sobre isso:
Primeiro – sinceramente acredito que Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição em nosso lugar e por isso, os efeitos da maldição da lei não podem realmente trazer danos na vida de todo aquele que crê e vive em Cristo. Isto é ponto pacífico entre nós.
Segundo – tenho apenas uma pergunta: se nós agora que estamos em Cristo, livre do poder da maldição, agirmos de acordo com esses pecados e crimes não receberemos nenhuma punição por essas práticas? Quer dizer que em Cristo, mesmo que cometamos esses pecados ou crimes estamos livres de um julgamento? Não creio que algum cristão sincero responderia positivamente a isso!
O Novo Testamento é taxativo quanto a isso:
“Porque se voluntariamente continuarmos no pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados,
mas uma expectação terrível de juízo, e um ardor de fogo que há de devorar os adversários.
Havendo alguém rejeitado a lei de Moisés, morre sem misericórdia, pela palavra de duas ou três testemunhas;
de quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do pacto, com que foi santificado, e ultrajar ao Espírito da graça?
Pois conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo.
Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo.”
Hebreus 10:26-31

E isto para não citar Pedro, Tiago, João e Paulo.

Carlos Kleber Carvalho
Teólogo

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