Deus e o mal – uma
outra história
É sabido que a
presença do mal no mundo ocupa lugar de destaque nas questões da existência de
Deus ou de sua negação. Isso já é lugar comum e assunto chato do ponto de vista
da redundância de seu ciclo. Também sabemos que os ateístas e alguns
evolucionistas põem esse argumento como o mote central de suas argumentações
contra Deus ou a fé.
Asseverações
como: “se Deus existe e é bom, como pode o mal existir”, e todas as outras
frases dessa linha de pensamento, ou “Deus criou o mundo, criou o homem,
portanto, Deus criou o mal e é mal por causa disso”, e todo o blá, blá, blá que
vem após isso. Gostaria de me ater a este segundo ponto de discussão, embora
não poderei ser tão longo em meus argumentos.
Se “Deus criou
o mundo, criou o homem, o homem sendo mal, não pode ser culpado de seus atos
porque Deus criou mal”, pode parecer alguma coisa racional, mas não é eficiente
no resultado. Vamos partir do princípio condutor das declarações: a concepção
judaico-cristã da vida e do mundo. Nela, de fato, Deus criou o mundo, criou o
homem, mas o homem se tornou mal pelas escolhas que fez.
Isso, no
máximo, significa (para não ser acusado de fundamentalista) que Deus é o autor
secundário do mal por ter criado o homem e não o causador do mal no próprio
homem. Isto nos leva à outra afirmação, a que Deus é responsável em segundo
plano pelas ações más dos homens, ao menos em segunda instância, novamente por
causa da criação. Mas isso não resolve o problema total.
Se somente
Deus fosse o “culpado” pelo mal no mundo, os que cometem os assassinatos, os
estupros, os roubos, a corrupção, as guerras, todas as formas de violências, os
abusos infantis, o racismo, os crimes religiosos, os enganos, as trapaças, as
mentiras e a lista é quase interminável, jamais seriam responsabilizados pelos
seus crimes e erros. No máximo teríamos uma resposta evolutiva como a da
seleção natural, que impõe essa “naturalidade” criminosa e pecaminosa no homem.
Todavia, o
fato mais claro em qualquer sociedade humana, antiga ou nova, é que os homens
são responsáveis pelos seus erros e crimes, não imputando a qualquer divindade
a culpa dos mesmos. Não se aceita em tribunal a defesa de que “uma voz”, ou “um
espírito”, ou “um deus” me disse para cometer tais atos. Este indivíduo será
considerado doente mental, porém cumprirá a sentença dos crimes em local
adequado para pessoas mentalmente afetadas.
Outra coisa
deixada de lado na matemática filosófica ateísta nos argumentos iniciais é o
caso do livre arbítrio. Alguns pensadores fazem um esforço hercúleo para
eliminar da equação do mal o livre arbítrio ou simplesmente o poder de decisão
pessoal dos seres humanos. Se o livre arbítrio está fora da equação, mais uma
vez voltamos à seleção natural que por si só criou em nós as induções imperceptíveis
de nossas escolhas no longo processo evolutivo. Mais uma maneira de simplificar
o problema, sem dar qualquer resultado.
Creio
pessoalmente que Deus assumiu a parte da culpa pelo mal que o livre arbítrio
causou na humanidade (assevero que isso é algo pessoal). Ele fez isso de
algumas maneiras na História. No início procurou se relacionar com os homens
fora de uma base moral elevada (vemos isso por todo o livro do Gênesis), depois
gerou a Lei para o povo hebreu, posteriormente enviou os profetas para
corrigirem o caminho dos desviantes e, por fim, enviou seu Filho para morrer em
lugar de todos os que cressem nele a fim de resgatar o homem ao seu estado
original a ponto de o mal não mais afetar as suas decisões.
Deus fez a sua
parte na questão do mal e assumiu o seu nível de responsabilidade nisso, mas e
o homem? O que vemos o ser humano fazer até hoje é apenas reclamar de Deus,
culpá-lo pelos seus próprios erros e ainda por cima, declarar que Ele não
existe por causa do mal que prolifera no mundo. O homem faz até hoje o que Adão
e Eva fizeram quando foram flagrados no Éden: culpar o outro, que ao final, é
também culpa de Deus. “Deus nos criou, nos colocou no jardim, permitiu a
tentação e nós caímos. De quem é a culpa? Em última instância, Dele!”
Essa é a mais
antiga desculpa que gente irresponsável dá quando confrontada com seus erros e
crimes: “Não é culpa minha!”. Mas há uma triste notícia para os culpados: o mal
é culpa do homem. Deus já cumpriu sua parte na equação, resta somente o homem
cumprir a dele e deixar de ser inconsequente assumindo os próprios erros e
crimes, deixando de culpar a Deus, sua existência ou não ou a seleção natural.
Carlos Carvalho