domingo, 15 de junho de 2014


“Fora de contexto” – ateus e seu raciocínio.

Recentemente li em algum lugar a crítica de certo ateu à explicação que um cristão lhe deu sobre certa passagem da Bíblia. O ateu não conformado com a expressão “fora de contexto” descreve esse ato como uma desculpa esfarrapada do cristão para quando é confrontado no texto bíblico e não encontra respostas para essa argumentação. Gostaria de tecer algumas linhas sobre isso.

Apenas para termos a noção do tamanho da falta de senso deste dito ateu, vou utilizar uma declaração retirada de outro lugar para demonstrar meu pensamento. “Perdi o dia”, por exemplo – uma expressão usada hoje por todos os que de alguma maneira perdem dinheiro, tempo, trabalho ou se sentem emocionalmente prejudicados pelas ações de outros, no decorrer de um dia – é ótima para nossa conversa.

Podemos escrevê-la em qualquer texto hoje ou dizê-la diante de pessoas e esta frese terá sempre o mesmo significado para a imensa maioria das pessoas no Ocidente. Porém, ao levarmos em consideração o contexto no qual ela foi falada pela primeira vez – e imagina-se que foi assim – essa frase terá um novo e profundo significado para nós hoje.

Suetônio (c.70-140 d.C.), biógrafo de imperadores romanos, nos conta que o imperador Tito (39-81 d.C.) vivia sob o lema de fazer uma boa ação a cada dia e que se esforçava para que ninguém necessitasse retornar a ele em outra audiência para lhe falar sobre o mesmo assunto, porque procurava resolvê-lo sempre com essa ideia em mente. Conta o biógrafo que Tito, numa noite na qual não tinha prestado nenhum benefício a alguém, se dirigiu à mesa e disse:

“Amici, diem perdidi” (Amigos, perdi o dia).

Vejam, o contexto no qual está inserido esta frase é bem diferente dos de hoje, certo? A ideia de hoje é a da perda de algo ou um sentimento negativo em si mesmo e a ideia original é a de um sentimento negativo por não ter feito algo de bom ou algum beneficio por alguém. A pergunta é: o contexto altera ou não a interpretação do texto? A resposta é óbvia: um retumbante, sim! Portanto, o contexto PRECISA ser levado em conta.

Contexto se refere à regra básica de interpretação de qualquer que seja o texto. É preciso fazer ao texto as perguntas mais simples, como quem escreveu? Para quem foi escrito? Em que época? Qual era o sentido mais próximo que a expressão possuía? E assim por diante. Somente ao se compreender corretamente o contexto é que teremos uma ideia clara daquilo que o texto ou o seu autor desejaram nos comunicar.

Mas o que esperar de pessoas que sequer compreendem essas coisas mais simples e básicas? E o pior, desdenham animalescamente daqueles que sabem tratar corretamente os textos. Mais uma vez pergunto: o que seria de uma sociedade governada por gente assim?


C. K. Carvalho
Pesquisador autônomo


Referência:


MORANZA, Ciro. Dicionário de máximas e expressões em latim / Christa Pöppelmann; tradução e adaptação Ciro Moranza. – São Paulo: Editora Escala, 2010. p. 39.

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